Fez, em 14 de Fevereiro, 2 anos
que vim residir para Avis.
Geralmente, 2 anos não chegam
para que alguém possa opinar sobre o local onde vive, ainda mais quando essa
vivência começa por ser feita por causa da vida profissional e, só depois, se
torna uma opção pessoal de fundo.
Contudo, penso ser o meu caso
diferente. Logo no primeiro dia que pernoitei em Avis, logo no primeiro fim-de-semana
que cá passei, tive a preocupação de andar muito na rua, saber onde ficavam os
cafés, saber os locais do (pouco) comércio, etc. Sempre assim fiz, nos muitos
locais onde tenho vivido, por razões profissionais que, cedo, se tornam
pessoais. Nunca fui de ter “torres de marfim” onde me refugio, feito “Senhor
Doutor” ou “intelectual”. Às vezes perco mais do que ganho, mas, enfim, são
escolhas.
Tudo isto, penso, autoriza-me a
ter opinião sobre o que faz falta em Avis .
Assim, começando pelo fundamental :
EM AVIS FALTA CIDADANIA ATIVA
Chocou-me, nos meus primeiros dias
de Avis, em 2011, o contraste com a Vila que eu conhecera no tempo da “Reforma
Agrária” : via, agora, ruas desertas, casas degradadas e abandonadas, o que levava a
pensar : “Onde me vim meter ?”. Por
causa da atividade profissional que cá vinha fazer (abrir as portas de uma
Fundação “em banho maria” e organizar, na mesma, um pacote de formação) , logo
tive de contactar com os Poderes Locais, fossem eles órgãos municipais ou
instituições. Fui corrigindo essa imagem. O sítio “onde me vim meter” tinha
características próprias, mas, era potencialmente vivo, e isso logo ficou
evidente, por exemplo, nas mais de 60 pessoas que, durante um ano, procuraram e
frequentaram formação, ou no encanto inicial (sublinho o “inicial”) que os
poderes tiveram pela minha pessoa e pelo que eu fazia.
Esperavam-me experiências e
tempos difíceis, um ano depois de cá chegar (digamos, a partir de Fevereiro de
2012) : os poderes locais, porque, gradualmente, perceberam as minhas opções
políticas e ideológicas (que nunca escondo, sublinho), começaram um lento “tirar
do tapete” e um camuflado desincentivar de tudo o quê lhes parecia feito ou emanado
da minha pessoa. Recordo o episódio, de 5 de Novembro de 2011, com a
apresentação da Universidade Sénior de Avis : nesse dia e na sua preparação, “pompa
e circunstância”; depois, o desinteresse, a omissão, que se foi transmitindo a
alguns que voluntariosamente, se tinham oferecidos para trabalhar. Houve quem
me dissesse : “Como a Câmara não apoia,
isto nunca vai ter força para continuar, logo, não vou perder tempo a colaborar…”
Em suma, este (e outros)
episódios levam-me a pensar o seguinte :
- EM AVIS, UM PODER LOCAL, QUE
DURA HÁ 36 ANOS, POR TER SIDO IMENSAMENTE “PAI DOMINADOR”, CONDICIONOU A
CAPACIDADE DA POPULALÇÂO PARTICIPAR
Explico melhor : como em muitos
locais do País, onde o Poder (seja de que cor for) é esse “pai dominador”, cresceu, aqui, um espírito de “comprar tudo
feito”, ou seja, a população habituou-se a usufruir de bens e produtos
(culturais, educativos, associativos, até económicos) sem ter necessidade de
participar na sua produção, na sua conceção, ou, mesmo, de ter ideias novas
para eles. O Poder Local e alguns outros poderes institucionais substituíram-se
á republicana ideia da participação cidadão e apropriaram-se dela . Mesmo,
salvas honrosas exceções, o movimento associativo ou alguns “bem pensantes”
locais (repito, aqui como noutros muitos locais) tende a viver, de forma
subsidiária, em relação a esses poderes, receando, até, autonomizar-se deles ou
pensar e agir de forma que o “afronte”.
Numa terra que foi, há menos de
40 anos, a “capital da Reforma Agrária”, um movimento social de vasta
participação popular, isto parecia-me estranho.
Contudo, não o era, numa segunda
análise. Nesses tempos brilhantes do pleno emprego no Concelho, no fundo, as
pessoas já iam “comprando tudo feito” : eram os dirigentes que desse movimento
que eram o tal “pai dominador”, cuja
preocupação era que todos tivessem o que precisavam, fornecendo-o, e não
envolvendo as pessoas em todo o processo que a tal conduzia. As pessoas eram “consumidores
finais” de um bom produto (sem dúvida), mas não estavam totalmente envolvidos
em todo o processo.
Ora, se tivermos em conta que o
movimento social da Reforma Agrária foi dirigido pelo PCP e que o mesmo PCP
sempre teve o Governo Político do Concelho, podemos concluir que o “pai
dominador” funcionou sempre, na história contemporânea do nosso Concelho, tudo
provendo, tudo fornecendo, considerando desnecessária a participação dos cidadãos
ou fazendo dela um mero cerimonial. Veja-se, por exemplo, naquilo que eu
considero, num Concelho supostamente governado á esquerda, as tristes e
cinzentas cerimónias das comemorações do 25 de Abril, onde não vi quase nenhum “cidadão
comum”, como eu e onde nem a oposição nos órgãos autárquicos compareceu. Veja-se,
por exemplo, a frase, que quantas vezes ouço, tipo “A Câmara que faça !”, ou,
numa outra face da mesma moeda, a preocupação , quando existe uma nova
iniciativa, “Mas a Câmara sabe que isto vai acontecer ?” (esta já me aconteceu
2 vezes). Ou, um caso institucional, o falhanço da tentativa de implementação,
em Avis, da Agenda XXI Local, metodologia de gestão participativa de um
município.
Em suma, Avis precisa de uma
cidadania ativa.
Como referi, há exemplos
excelentes, em Avis, de iniciativas do movimento associativo, repito,
iniciativas próprias, que, naturalmente, os poderes apoiam, logística e
financeiramente.
Mas, continuando a usar a
linguagem da psicologia, não sei se o assumir da cidadania, em Avis, pelas
pessoas, não passará pela substituição de um Poder que é “Pai dominador” (tudo
faz, põe ao dispor e controla), por um Poder que seja “Pai nutritivo” (que estimula,
suscita atitudes e iniciativas, respeita a autonomia e caráter de cada um e
apoia).