quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Silêncio e tanta gente...




Eis uma velha canção, "SILÊNCIO E TANTA GENTE", presente, salvo erro, no "Festival da Canção" de 1984, por Maria Guinot, que se acompanhou com um num magnífico solo de piano (vou tentar deixar o "Link" para audio/video).
Sempre gostei do poema, da postura da (meteórica) cantora, que encontrei, depois, em ambientes partidários, indecorosamente explorada por um Partido onde nem militava e onde nem um piano lhe conseguiam arranjar, para cantar e "dar o seu contributo", que nunca, refiro, negou (mesmo numa campanha eleitoral onde eu participei), mas assumia de forma digna.
Mas a dignidade (insisto, repetitivamente, no termo) da pessoa da interprete e do poema, são um registo de qualidade.
E onde, hoje, me revejo, num momento de (re)ordenamamento de sentimentos e afectos.
Onde o silêncio faz falta, no meio de tanta gente.

"Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
Ou um grito
Que nasce em qualquer lugar

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um lugar onde não estou

Às vezes sou também
O tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar

Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou um grito
De um amor por acontecer

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
"


E deixo mais este registo intimista, porque, repito, um blog é um diário pessoal, que aceitamos partilhar.

Vesão video , da canção, em : http://videos.sapo.pt/vJVwh1AdzIBaLBm2nEl7

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Fernando Nobre, um Presidente da República possível ?


O cargo de Presidente da República é pessoal, ou, como alguns dizem, "unipessoal". Logo, algo a que qualquer cidadão, com condições para tal (número de subscritores de candidatura, etc), pode aspirar.
O Doutor Fernando Nobre é, por mérito, digno de querer ser Presidente de todos nós. É um exemplo de abenegação, de solidariedade e de, até, prejuízo profissional (logo, económico), em nome da luta contra a pobreza.
Na minha opinião (que é minha...), o Doutor Fernando Nobre seria um excelente Presidente, num quadro constitucional que não é o nosso. Ou seja, onde o Presidente é quase um "Rei", um "símbolo", e não um interventor político.
É isso que é preciso distinguir, também.
O próximo combate presidencial, em Portugal, tem de ser clarificador e de ruptura, entre a "direita" (Cavaco Silva) e a "esquerda" (Manuel Alegre), para um definitivo arrumar da clarificação das políticas e medidas de política, em Portugal.
Só porque estamos neste período de "fractura" é que o unanimismo (onde cabe gente de todas as àreas políticas, mas, também, de todas as "corpações" sociais) do Doutor Fernando Nobre pode ser pouco útil. Porque não ajuda a clarificar nem obrigará, finalmente (e isso tarda), o aparelho de Estado a tomar opções políticas entre a "diireita" (o promado do indivíduo e do lucro) e a "esquerda" (o primado da cidadania e do social).
O "coração" até me poderia dizer para votar nele. A "razão" faz-me escolher Manuel Alegre (em quem não votei nas últimas Presidenciais).
E, já agora, defender isso, numa reunião partidária, dá motivo, uma vez mais, no blog oficioso da "entourage" de Artur Melo, ainda Presidennte da Concelhia do PS local , a juízos (uma vez mais) sobre as pessoas e seus interreses.Como se todos se movessem por tal e criassem "sindicatos" e Blogs para o efeito.
Como dizia Gil Vicente, "É fartar a vilanagem...; haja quem pegue num lodão !" (para quem diz que a minha escrita é difícil, aqui fica mais algo para, pedagógicamente, aprender).

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre as "Confrarias" como movimento social de preservação da identidade



Uma das minhas muitas actividades, enquanto residi, longos anos, em Beja, foi ser "confrade" e "dirigente" da extinta Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja, onde fui, inclusive, Vogal.

"Entronizado" em 2002, cedo percebi só com formação (enfim, velho vício profissional), se podiam defender os produtos locais (ditos "produtos do território").

Em Novembro de 2003, tive a honra de participar no 1º Congresso das Confrarias das Regiões da Europa, em Bruxelas e, em nome da "minha", apresentar comunicação sobre, precisamente, o papel de novo movimento social, pela identidade local, que as Confrarias eram e deviam ser. E, sabe-se lá porquê, dizer do perigo da sua apropriação, indirecta, pelas Câmaras ou poderes locais.

Fica este texto, escrito na sequência e maturação desse Congresso, datado, mas que reconheço actual.

Fica, como todos os outros, para quem o queira ler e concluir o que aprouver.


Um novo movimento social
Publicado no "Diário do Alentejo" (Beja), em 2004-02-06

Por Abel Ribeiro*
Reuniu-se em Bruxelas, no hemiciclo do Parlamento Europeu, o 1º Congresso das Confrarias das Regiões da Europa, a 7 de Novembro.
De entre as três centenas de confrarias, destacaram-se, em intervenções no plenário, a Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja e a Confraria do Pão, que referimos por serem alentejanas.
Tive, enquanto membro da delegação da primeira, a honra de testemunhar e de me aperceber da dimensão e pujança que, hoje, assumem, na Europa, todos aqueles “confrades” que se batem pela afirmação dos “produtos do território” como motores do desenvolvimento local e, mesmo, de uma nova economia e de um processo de reforço identitário.
De facto, das confrarias tendemos a ter, entre nós, uma ideia que aponta para uma espécie de “sociedades almoçaristas/jantaristas” ou de “tertúlias de amigos de petiscos e copos”, que mais não buscam senão a manutenção desse reconhecido (e louvável) direito de se juntarem para conviver em torno de iguarias autênticas. Só isso lhes daria, já, um estatuto qualificado.
Contudo, pude perceber, nesse Congresso Europeu, algo diferente: as Confrarias são um fraterno e emergente movimento social de combate por uma nova economia construída sobre os “produtos do território”.
Sobre este conceito de “produtos do território”, dei por mim, a aplaudir, delirantemente, o exprimido pelo ministro francês do Desenvolvimento Rural (com o qual politicamente nada tenho a ver...), nesse 7 de Novembro, em Bruxelas: esses produtos são aqueles que são obtidos com materiais, tecnologias e saberes próprios de um território, sendo só compreendidos em função dessa realidade global e das relações sociais que a constituem, logo, defender o mundo rural passa por valorizar tal pertença.
Pude perceber o papel estratégico que as Confrarias desempenham neste combate. Afinal, não se trata, só, de agrupar aqueles que gostam de um dado bem, mas de lutar, fraternalmente irmanados, para que o mesmo continue a ser produzido e que, da excelência dessa produção e do acto de o consumir, resulte o reforço da economia local.
Daí que seja urgente que as confrarias portuguesas façam aquilo que já é ensaiado naquela onde sou um “humilde gastrónomo de base”: a Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja. Nela, aposta-se na formação, nas suas diversas vertentes.
Isto porque se acredita que as iguarias típicas o são, quer na forma como são consumidas, quer como são produzidas, quer como são apresentadas.
Tal significa que a formação deve incidir sobre as técnicas de aproximação e manuseamento do produto (por exemplo, uma acção de formação de “Cortadores de presunto” ou de “Provadores de Azeite”), seja sobre a sua transformação (por exemplo, nas acções sobre “Cozinha” ou “Culinária”), seja em relação à dignidade com que são apresentados (por exemplo, as acções sobre “Serviço de Mesa”).
A tudo isto a Confraria se tem dedicado, recorrendo às fontes de financiamento disponíveis, tentando qualificar quem manuseia e transforma as matérias primas em “produtos do território”, sem esquecer o sentido de “irmandade”, presente nas refeições e cerimoniais comuns de sua exaltação, como os magustos, as matanças tradicionais, os jantares temáticos, etc.
É urgente, por isso, que as Confrarias sejam olhadas, pelos agentes de desenvolvimento local, como parceiros de pleno direito nos processos de reforço da pertença a um território.
É urgente que as confrarias sejam consideradas, pelas organizações e corporações ligadas aos interesses económicos (associações de hoteleiros, de comerciantes), como um parceiro que pode contribuir para a dignificação e validação do produto que se apresenta como típico, porque “do território”
É urgente que as confrarias sejam reconhecidas, pelos poderes locais e regionais, como um parceiro estratégico na afirmação da individualidade social de uma região ou território.
Num momento de afirmação da cidadania e da sociedade civil, não deixa de ser interessante constatarmos que estas associações (as Confrarias) podem evoluir para escolas de formação em saberes e sabores do território ou, mesmo, em instâncias de validação da autenticidade dessa territorialidade, mas, sobretudo, na afirmação de espaços de uma fraterna, festiva e orgulhosa defesa da pertença.
Do que não restam dúvidas é que este movimento social das confrarias é bem vindo a este combate pela identidade.
Assim resista às tentações e seduções que, não tarda, os “poderes” lhe farão, para que deixem de ser “movimento...”

* Sociólogo – Associado da “Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja”

Fim de transcrição...
Gosto de retomar temas que, nesta minha terra que hoje é o Marco, podem ser relevantes; este das Confrarias pareceu-me importante, daí respigar este contributo, fruto da minha experiência de 3 anos de vivência, como Confrade, numa delas.

A minha Confraria extinguiu-se, precisamente, porque não resistiu ás tentações e seduções que referi e porque se deixou arrastar por ambições pessoais.

Mas ainda guardo, com saudade, o escapulário e o traje.

Mas que as Confrarias, hoje, são um movimento social de peso, na Europa rural, isso é verdade.

Mas que não assumem o seu papel, pleno, de guardiões da identidade, também.

Em Portugal (e no Tâmega), desconheço se alguma se candidatou ao PRODER, por exemplo...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

PORQUE EU SOU DAS ILHAS DA BRUMA...


Vivi 3 anos seguidos em S. Miguel, Açores.
Morei em Vila Franca do Campo. A minha vida permitiu correr as 9 ilhas.
Durante mais 5 anos lá voltei, sempre em trabalho.

Há 10 anos que lá não ia.
O Mundo é pequeno. Descobri que o meu (hoje) Camarada do PS , Presidente da Câmara de Povoação (Açores), tinha vivido e trabalhado no Marco, no ensino primário, há quase 30 anos. Esse cidadão, Dr. Carlos Ávila, foi meu colega de trabalho, entre 1991 e 1993, no Instituto de Acção Social dos Açores.
Vivi, nesse tempo, a minha maior e mais intensa experiência de trabalho e de crescimento profissional.

A vida permitiu-me, há dias, voltar a S. Miguel. E estar com o antigo Professor Primário, do Marco, Carlos Ávila.
Em trabalho, viajámos, naqueles 3 anos, muito, pela Europa que abria as portas ao Portugal insular.

Finda essa experiência, e as vezes que voltei a S. Miguel, senti o que senti nestes últimos dias, onde tive a felicidade de lá estar : não escolhemos onde nascemos, mas sentimos onde pertencemos.

E recordei o velho tema do poeta micaelense Manuel Ferreira, chamado "Ilhas da Bruma" :

" Ainda sinto os pés no terreiro
Onde os meus avós bailavam o pezinho
A bela Aurora e a Sapateia
É que nas veias corre-me basalto negro
E na lembrança vulcões e terramotos


Por isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terra


Se no olhar trago a dolência das ondas
O olhar é a doçura das lagoas
É que trago a ternura das hortênsias
No coração a ardência das caldeiras.


Por isso é que eu sou das ilhas de bruma
Onde as gaivotas vão beijar a terra


É que nas veias corre-me basalto negro
No coração a ardência das caldeiras
O mar imenso me enche a alma
E tenho verde, tanto verde a indicar-me a esperança "

Eu sou das Ilhas da Bruma, de facto. Lá, em Vila Franca do Campo, a minha alma fica limpa, quando vou, ás 7h da manhã, aos cafés onde os pescadores bebem o "meio quartilho", quando respiro aquele ar pleno de humidade, que até parece líquido, quando, 20 anos depois, alguem me pergunta "Doutor, tu vieste para voltar ?", quando o meu querido e veterano (hoje cozinheiro "gourmet") Jaime, do famoso Restaurante Jaime, me diz "Sagrado, estás em Casa., fica cá.."

Apetece-me, nessas alturas, cantar o poema acima.
Eu sou Alentejano e nunca o neguei, adoro viver no Marco, mas, por alma, e em definitivo, sou "das Ilhas da Bruma".
Onde quero acabar os tempos felizes da minha vida.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"GOD BLESS AFRICA", por causa de Mandela




Para aqueles que me acusam de dizer coisas que ninguém percebe, o fim do "aparthaid", na África do Sul, significou algo muito simples : que deixou de haver aquilo que existiu durante mais um século, como escolas só para negros, bairros só para negros, ruas só para negros, cafés só para negros, lugares (poucos) nos transportes públicos só para negros,afrontas como ter, no Bilhete de Identidade, a origem étnica (banto, bosquimane, cafre, etc) e muita outra ignomínia.
Isso está exposto em filmes, como o magnífico "GRITA LIBERDADE", de 1983, ou o actual "INVICTUS".
Há 20 anos, o branco "boer" De Klerk decretou, no branco Parlamento da República da África do Sul, o fim do "aparthaid", como sistema social e político e a libertação dos presos políticos por causa dele. Não pode, infelizmente, decretar a "ressurrreição" dos mortos desse "sistema social" (daí que eu recomende que aluguem o DVD, ou façam o download de "Grita Liberdade").

Deste dia, há 20 anos, resultou a libertação do último herói do século XX : NELSON MANDELA.
Mandela passou, SÓ, 39 anos da sua vida preso, dos quais 12 em isolamento, ou seja, sem contacto com outros seres humanos.
Ao ser libertado, há 20 anos, podia ter clamado vingança contra os seus torturadores, mas, pelo contrário, fez história ao declarar que os PERDOAVA, mas queria Justiça para todo e qualquer que tivesse feito crimes de sangue, contra outros que não ele.
MANDELA foi algo que eu, que me sinto magoado por "dá cá aquela palha", nunca conseguiria fazer : perdoar quem me fez mal e, sublinho,o PRIVOU DE MAIS DE METADE DA SUA VIDA; contudo, para quem injustiçou outros, que não ele, exige justiça.
Que começou em Casa.
A sua então esposa, Winnie Mandela, aceitou divorciar-se e uma pena suspensa por maus tratos a jovens de outro grupo tribal, feita por uns jovens "futebolistas", dela dependentes.
Ao ser eleito Presidente, MANDELA chama, para partilhar o Governo, o mesmo branco "boer" DE KLERK que o libertou e terminou o "aparthaid". Palavras para quê ?

MANDELA é, para mim, ao lado de GHANDI, o grande líder político e, ao mesmo tempo, espiritual, do século XX.
Aliar convicções que têm a ver com modelos de sociedade, mas se estribam em ética, foi fenómeno raro.

O centenário Mandela merece hoje ser homenageado.
No dia da sua libertação, numa cerimónia em Lisboa, cantei o hino que Paul Simon, Miriam Makeba e Ug Fizikela eternizaram (que consta do DVD "Graceland" de Paul Simon), chamado "GOD BLESS AFRICA". Ontem, canto da revolta e da resistência, cantado nos funerais dos resistentes. Hoje, o Hino oficial da Áfica do Sul.
Que termina, só com esta frase maravilhosa : "De todas as terras do Mundo, Deus escolheu esta para tornar todos iguais: a Terra é África, o nome dele é Jesus. Deus abençoe África".
É isso que eu desejo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Hoje faço 53 anos...

Évora, cidade onde nasci

Retomo, hoje que faço 53 anos um discurso que fiz, num almoço com 40 Amigos e Familiares, no dia em que completei 50 anos.
Talvez sirva para, em definitivo, muitos saberem, "ao que ando".

Caríssimos Amigos

Fiz 50 anos, dia 1 de Fevereiro. Meio século. De acordo com as estatísticas e o último relatório do desenvolvimento humano da ONU, a esperança de vida em Portugal é, para os homens, de 82 anos. Estou, pois, já, de forma clara, na fase madura da vida, já a “puxar” para a metade final.


Dizia Pilipp Ariés, na sua obra “O Homem e a Morte”, que começamos a morrer no dia em que nascemos para a vida humana. Por isso, a idade não me preocupa. Recuso os hipócritas lugares comuns do ser “jovem de espírito” ou de “ter perdido o BI”, que mais não são do que fugir a um estatuto digno próprio de cada idade : sou, com orgulho, um homem e cidadão de 50 anos e, porque sou português, europeu, ocidental e fruto de uma cultura judaico-cristã, com profundos traços de islamismo, também, assumo a carga cultural que essa idade, por isso, me atribuiu.
Por isso assinalo, convosco, o atingir desta idade.

O poeta, sul-americano de nascença, mediterrânico por opção, Pablo Neruda, dizia, num livro póstumo auto-biográfico, em título , “Confesso que vivi”.
Eu quase diria o mesmo, corrigindo a conjugação : CONFESSO QUE VOU CONTINUAR A VIVER.

Isto significa várias coisas : 1) Que julgo que valeu a pena ter vivido até hoje; 2) Que não estou nada arrependido da forma como vivi; 3) Que vou continuar a viver da mesma maneira.
É verdade: PODEM ESTAR CERTOS QUE É ISSO QUE TENHO SENTIDO NO APROXIMAR DO LIMIAR CULTURAL QUE SÃO OS 50 ANOS. É ESSA A MINHA CONVICÇÃO: a minha vida tem sido só uma, com um profundo fio condutor, fio esse que, como na lenda grega do minotauro, me há-de conduzir a um destino, embora se possa romper e reconstruir, diversas vezes. Desde que conduza a algum lado.
Com 50 anos, tenho de ter algo a testemunhar sobre o que é esse fio condutor da minha vida . É isso que os quero dizer hoje. Quero fazê-lo a alguns homens e mulheres importantes da minha vida que hoje quis juntar comigo, independentemente de serem meus filhos, irmãos, ascendentes, cônjuges, ou outros laços de família e amizade.

Enfim, que fio condutor é esse, o da minha vida de 50 anos ?
Não receio em dizer que o fio condutor da minha vida têm sido as UTOPIAS IGUALITÁRIAS; sim, uma profunda crença, com raízes e cambiantes diferentes ao longo das várias etapas da minha vida, na ideia que os Homens nascem livres e iguais e, assim deveriam permanecer no acesso e usufruto dos direitos que, historicamente lhe vão sendo reconhecidos ou consagrados, e que esse caminho para a igualdade só pode se construído numa base de relações sociais fraternas. Diria mesmo (e é esse o meu entendimento) radicalmente fraternas.

Curiosamente, sempre preferi o termo “fraternidade” ao “solidariedade” e, a pouco e pouco, vou percebendo porquê.
Porquê ?
Porque, num primeiro aspecto, ser fraterno é ser irmão. Isto significa um laço que nos “obriga” a amar o outro, mesmo apesar de ele não ser solidário connosco, ou seja, nem sequer partilhar a nossa causa, Aliás, vê o outro, não como o indivíduo “x” ou “y”, mas como um “outro” universal, que por ser Cidadão, Ser Humano, é, necessariamente, alvo com direito a receber e dar fraternidade. Por causa disto, nas várias raízes e cambiantes da minha opção pelas utopias igualitárias, fiz amizades fortes para rapidamente as desactivar, ligo-me intensamente a pessoas e, com facilidade, desligo-me, abraço grupos com causas e , logo, os abandono. Fragilidade, imaturidade, chamem-lhe o que quiserem: eu chamo-lhe ser radical. Radical, pois, ou consigo dar tudo ou, de facto, prefiro não dar nada, ou mudar o estatuto do “dar” para um acto despessoalizado. Ou seja, cada pessoa, a quem me dou, faz sempre parte de um todo ou de uma parcela desse todo e é esse “todo” que eu amo, verdadeiramente: amo todos aquelas centenas de jovens que foram meus alunos ao longo da minha vida, mas de poucos saberei o nome; contudo, se me batem á porta, logo abro. Amo todos os cidadãos por cuja dignidade combati e combaterei ao longo da vida, mas, ganhas as lutas, deles me desligo, enquanto indivíduos; mas, fraternalmente, os reencontrarei na luta social seguinte. Como filho, marido, irmão, pai, ou outro parentesco, sou por todos conhecido como “desprendido”, ou seja, aquele que tão depressa está e nos faz sentir intensamente a sua presença, como não está e é ausente .

Eis o segundo aspecto desse meu seguir as utopias igualitárias : mais do que as pessoas (que são parte delas e as incorporam), eu sigo as causas que as utopias me suscitam e aceito os desafios que elas me fazem.
A minha formação cristã de origem, á qual devo o pouco de bom que há em mim, ensinou-me várias coisas.
Ensinou-me “que todos os cabelos da nossa cabeça estão contados”; ou seja, que quem é radicalmente fiel ás causas pode viver delas e nada lhe faltará, nem a si nem aos seus. É um risco. Mas estão perante um cidadão que, por 3 vezes, foi funcionário público e 3 vezes pediu a exoneração, por haver coisas mais importantes que o chamavam e que tinham a ver com as suas utopias igualitárias : projectos socais nos Açores, ser Autarca em Arruda dos Vinhos, depois, ir para o Ensino Superior, depois criar a sua própria empresa, depois.... Algumas dessas opões tiveram custos pessoais enormes, significaram perdas pessoais económicas, afectivas, de imagem pública, mas, mesmo nos momentos (que tenho passado vezes demais), de dificuldades económicas e incerteza profissional ou de desconsideração pessoal, tenho o orgulho de sentir que fui fel ao meu modo de ver o mundo e a vida e, sempre, a cada momento de tempestade se seguiram momentos de gratificante bonança.
Ensinou-me, essa tal minha formação cristã de origem, a acreditar que “quem mete a mão ao arado não pode olhar para trás”, ou seja, as causas são para se assumidas até ao fim.

Talvez, por isso, também me ensinou que, como a Mafalda Veiga recorda na sua canção “Restolho “, tal como o grão de trigo, “é preciso morrer para nascer de novo”.

Caríssimos
Tenho conhecido quase as utopias igualitárias e nelas tenho militado ao longo da vida, com radicalidade convicta: fui membro activo de uma Igreja, militante de 3 partidos de esquerda, dirigente cultural, desportivo, associativo; estes 50 anos permitiram-me, apesar de toda esta radicalidade e instabilidade anormal, viajar por vários locais, neles trabalhar, ter experiências, também radicais, de comunhão diversa: senti os “amanhãs que cantam” do velho movimento comunista, apaixonei- me pela “cidadania activa” da nova esquerda, toquei o “novo Céu e a nova Terra” dos cristãos com que empenhadamente vivi. De nada me arrependi.
Mas onde pára o fio condutor ?

Aí mesmo.
O Paulo VI dizia que “Não há verdadeiro humanismo se não for aberto ao infinito”.
Sinto que, ao longo destes 50 anos, o meu fio condutor me tenta levar ao fim do labirinto (tal como na história do minotauro) e esse fim é o infinito.
Não sei o que significa esse infinito. Se tenho conduzido a minha vida fiel a utopias fraternas e igualitárias, sei que chegar ao infinito passa por aí. E que, mais tarde ou mas cedo, tocarei ou voltarei a tocar esse infinito.
Não preciso, espero, passar mais 50 anos para o descobrir.
De resto, aqui me têm: Abel Ribeiro, 50 anos; sem qualquer sentido de culpa ou recriminação, diz, com orgulho, ter uma conta bancária miserável, sem casa própria, carro ou carta de condução, sem património material para deixar a quem quer que seja.
Mas disponível para continuar a lutar por um mundo de iguais, construído sobre relações fraternas, de forma radical. Sem meias medidas, sem preconceitos, sem dúbios interesses. “Deitando a mão ao arado sem voltar atrás”. Pronto a, as vezes que forem necessárias, “morrer para nascer de novo”.
Agrada-me viver a vida. Mas, sobretudo esta vida. Não me peçam que viva doutra maneira.

ABEL RIBEIRO


Escrito, como referi, em 1 de Fevereiro de 2007. Hoje diria o mesmo.