sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sobre o descrédito do sistema de formação profissional(I)



Conheço o mundo da formação profissional desde 1988, quando, logo nos alvores, a "formação", nascendo "torta", serviu para encher os bolsos de muitas empresas, pois, nessa altura, pouco ou nada se exigia a quem se propunha organizar formação, sendo, até, muitas vezes os próprios Centros de Emprego a "mendigar" para conseguir promotores. Repito, isto em 1988.


Depois, veio a regulamentação disciplinadora: a certificação dos formadores, a acreditação das entidades formadoras, etc.


Em 1999, segundo o extinto IQF, existiam mais de 900 entidades formadoras acreditadas, só 35 vezes mais do que aquelas que, em 1988, organizavam formação.


Rapidamente a formação se constitui como "remédio" para tudo : para o insucesso escolar, para o desemprego, até para viabilizar gabinetes de contabilidade...


Sugiram alguns "cromos" que ainda hoje se mantêm e definem o sector :


- O eterno"formando" , que procura cursos como quem procura emprego, aliás, olha cada curso como um emprego, não se detendo na utilidade do mesmo, mas, antes, querendo, somente, saber o valor da bolsa de formação; conheci, recentemente, um cidadão com 48 anos que NUNCA trabalhou na vida, pois sempre tem andado em "cursos";


- A entidade formadora "oportunista", que, mesmo tendo sede num "vão de escada", organiza formação em todo o País. Fabricou várias "chapas 5", ou seja, textos de fundamentação de necessidade do curso x no local y, que, contudo, são iguais para Viseu, Porto, Freixo de Espada á Cinta, Arrentela, Amareleja, etc. E consegue o financiamento do FSE !


- As siglas que, tal como num" pronto a vestir", anunciam cursos pé-formatados pelas tutelas, onde tudo está já concebido, desde os módulos, conteúdos e onde é só aplicar, sem qualquer laivo de criatividade. Siglas como EFA, CEF, CET, etc, para quem anda neste (sub) mundo da formação, quer dizer isso mesmo : um "pronto a vestir" de qualificação e habilitação, que pouco acrescenta aos conhecidos vícios do ensino básico e secundário.


Na minha modesta opinião, a falência do sistema de formação está, antes de mais, nessa "caderneta de cromos".


De facto, o tendencialmente "eterno formando" procura curso atrás de curso e, assim, alimenta as entidades formadoras que, numa lógica facilitista, lhe fornecem os produtos "pré-formatados", pois até lhes permitem aceder ao 9º, ao 12º ano; acontece, contudo, que, tal como nas velhas cadernetas dos "cromos da bola", há os difíceis e os fáceis, ou seja, aqueles que conduzem o processo pedagógico com rigor e aqueles que o fazem de modo obscenamente fácil.


Mas a "encadernação" da caderneta explica o drama actual do mundo da formação. Como referi, as entidades formadoras cresceram em progressão geométrica, como cogumelos e nenhuma tutela consegue refrear tal fenómeno, por mais apertado que seja o crivo da acreditação de entidades.


A agravar, as entidades formadoras não se especializaram, ou seja, continuam todas a "vender" o mesmo , os tais EFA, CEF e outros. É ridículo ver as centenas de cursos das áreas de apoio social e à comunidade, ou outras, que continuam ser feitos :Geriatria, TASPC ou TICs variadas, cabeleireiros e esteticista (qualquer dia temos um "personal hair stilist" para cada português)...


Por outro lado, a escola pública, hoje, coloca no mercado, também, esses produtos de "pronto a vestir" formativo, com evidente vantagem sobre as outras entidades.


É evidente que, há muito, a oferta é superior á procura e um certo "darwinismo social" está a acontecer.


O que resta então :


Ás entidade formadoras, reflectirem, reconverterem-se, especializarem-se em áreas específicas de formação e, sobretudo, conceberem produtos próprios (acabem com o "pronto a vestir"...), baseando-os em diagnósticos sérios .

Sei que é difícil (trabalhei e estive ligado a várias), mas sempre tal defendi cheguei a tentar lançar estas dinâmicas.

Por isso, sei do que falo.

Mas voltarei ao tema.