domingo, 23 de maio de 2010

Acerca da visita de um Papa ( 3)

Tardei a escrever este último texto.
Tirei várias conclusões pessoais sobre a personalidade do Papa Ratzinger, de quem, antes, escrevi, não me merecer simpatia.

Mudei a opinião.

Não porque me movam sorrisos, tipo João Paulo II, sempre invocados nas perguntas despropositadas, de jornalistas, comparativas, a peregrinos movidos pela habitual "fé" das promessas, vulgo crendice...; de facto, somos um País de compulsavimente católicos, porque baptizados, e, onde, como disse D. Jorge Ortiga , líder da Igreja Católica em Portugal (que não é D. José Policarpo, que se limita a ser Bispo de Lisboa e tem o título honorífico de Cardeal), proliferam "católicos de oportunidade", que o são por causa de terem um lindo casamento, uma "comunhão" festiva para os filhos, etc.
Mudei de opinião, pelo que ouvi a Ratzinger, mormente nos momento em que se encontrou com personalidades da vida cultural e cívica e com os agentes da Acção Social da Igreja.
Como preâmbulo, ainda no voo de Roma a Lisboa, Ratzinger havia referido que, em dados momentos, os inimigos da Igreja estão dentro dela e não fora. Logo, aí, me surpreendi, porque entendi a mensagem para além dos delitos sexuais, agora identificados.

Depois, no encontro com (discutíveis) representantes da vida cultural, referiu, sublinhando a desconcertante afirmação "republicana" feita perante um formal Cavaco Silva, em acto anterior, as virtudes da separação Igreja/Estado e a preocupação com a Ética e Estética , associadas, que deve presidir ao mundo da cultura. Verdadeiramente, para mim, uma surpresa. É um texto onde me revejo e que me merece várias leituras de aprofundamento.

Depois, o discurso, em Fátima perante (também discutíveis) representantes da Acção Social da Igreja.
Ouvido, pelas televisões, o texto e, estupefacto, ouvidas, também, as interpretações que, dele, fizeram, os representantes das grandes corporações católicas, pensei ter lido ou ouvido algo, que não o mesmo que eles.
Ratzinger, mesmo ao abordar a FUNDAMENTALISTAMENTE APLAUDIDA referência ao "aborto", fá-lo invocando a necessidade de se combater as condições culturais e civilizacionais que levam a essa prática e, NUNCA, condenando quem se submete a ela . Os aplausos das "tias" do suposto Jet 7, 8 ou 9, hipócrita e "salazarento", ignoraram esse pressuposto, desejosos de ver condenados aqueles que fazem o que elas sempre fizeram ou têm pena de não terem feito...; mas Ratzinger falou do "antes" : combater os motivos que levam a tal. E isso "elas" não ouviram. Porque nunca o entenderão, pois, como dizia o profeta Elias, a sua fé limita-se a preceitos humanos...
Tal como o Presidente da CNIS e o Presidente da Cáritas Portuguesa, parecem não ter ouvido a clara referência á necessidade das instituições de acção social da Igreja se irem autonomizando do Estado ou, no mínimo, encararem os seu trabalho não como complementar ou em substituição dele, mas como uma maneira cristã de responder, logo, diferente.
É a minha visão pessoal sobre a (primeira) descoberta de um Ratzinger, que tenta ver a Fé à luz da Razão.
Nestes dias de alguma "desocupação" profissional, li muitos documentos daquele a quem chamei, sempre, o "Pastor Alemão", com carga muito depreciativa.
Hoje, á luz do que ouvi, embora nas televisões e li, acredito que foi da sua mão, mesmo, que saiu a Encíclica "Deus é Amor", há 4 anos (julgo).

O nome "Bento", porque sou um admirador do S. Bento, um dos fundadores da filosofia cristã que informou a Europa como unidade sociológica, nos alvores medievais, sempre evitei atribuí-lo a Ratzinger. Porque não lhe reconhecia essa "dignidade".
Repito : mesmo discordando de alguns pressupostos (casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo), reconheço que não conhecia o pensador Ratzinger o suficiente. Hoje, talvez me reveja mais na sua "intelectualidade", que mostrou saber tornar objectiva e prática.
Não sei se todos os que o ouviram perceberam o alcance.

Como já escrevi noutro "post", por razões "disciplinares" (sou "recasado"), não me permito a hipocrisia de me dizer católico ; não o posso ser e "ponto final".
Mas, uma coisa é certa : ao me referir a Ratzinger, deixarei de lhe chamar "Pastor Alemão", para o denominar como Bento XVI, porque, no meu íntimo, o acolho como tal, digno do nome do outro Bento, mesmo criticamente.

domingo, 9 de maio de 2010

Acerca da visita de um Papa (2)




O primeiro Papa que foi meu contemporâneo foi João XXIII, no início dos anos 60 do século XX. Confesso, que da "superioridade" dos meus 4 anos de idade, "papa" era "comida", logo, quando via uma imagem de João XXIII, chamava-lhe o "senhor comidas".

Mais tarde, percebi que foi eleito, dada a sua avançada idade, como um Papa "de transição", esperando-se que tivesse um papado curto e pacífico, enquanto as várias tendências católicas se organizavam para ter um Papa " á altura".

João XXIII desiludiu-os, nessa perspectiva de uma passagem rápida pela cátedra de S. Pedro. Não só governou mais anos que o previsto, como teve a coragem de iniciar o processo do Concílio Vaticano II, verdadeira refundação, também, da filosofia e doutrina social católica, concretizada pelo seu sucessor Paulo VI.


O Papa João (o meu "senhor comidas") tinha sido Cardeal e Bispo de Veneza. Dessa cidade sempre vieram Papas inovadores, como foi, anos depois, João Paulo I, apesar do seu curto papado.


Foram Cardeais/Bispos muito próximos dos problemas pessoais e sociais reais , que apoiavam aqueles que os viviam, para que eles mesmos os resolvessem, mas sem perder, nunca, a luz da Fé dos cristãos. É que existia uma maneira cristã de, por exemplo, ver as questões laborais e sindicais, a vida política, etc.

Eis um exemplo:


Há anos (talvez 5), vi um excelente filme (ou série), sobre João XXIII, onde o Papa era interpretado por Dany de Vito, julgo que no (agora) indisponível canal Hallmark, da então CaboVisão.

Retenho uma cena, que já tinha lido numa sua biografia.

João XXIII vai visitar uma prisão em Roma. Tudo é preparado ao milímetro : a segurança, sobretudo o respeito dos presos por tão ilustre visita. Contudo, quando o Papa entra no corredor onde, da varanda de acesso às celas, os presidiários vão assistir à cerimónia, há um preso que não tira o chapéu, em respeito ao visitante e logo é admoestado, com uma bastonada, pelo guarda prisional.

O Papa João intervém. Chama o preso e diz-lhe, de facto, aquilo que pode mudar a vida de alguém : convida o prisioneiro a falar e ele diz-lhe que estava ali por homicídio e passaria ali o resto da vida, pelo que nada lhe interessava, já tinha perdido tudo; aliás, o homicídio teria sido involuntário e, porque não tinha dinheiro para um bom advogado, fora condenado a pesada pena. Numa linguagem simples, o Papa diz-lhe que há 2000 anos outro "bandido", aos olhos da sociedade (Jesus) fora injustamente condenado, crucificado, perdera tudo, mas ressuscitara, mas, antes, perdoara quem o condenara; o Papa João diz, ainda, que também se sente "prisioneiro", no Vaticano, pois não pode ir á rua sozinho, beber uma "grappa", ou ao teatro. Diz-lhe que o espírito é livre e é isso que importa. Mas, sobretudo, que o arrependimento só funciona se, acto contínuo, perdoarmos a quem nos prejudicou.

Semanas depois, o Papa João solicitou, ao Tribunal, um perdão de pena para aquele prisioneiro. Contudo, o preso não o aceitou : depois da visita do Papa, tinha descoberto que podia ser mais útil na prisão, pois, como electricista de profissão, tinha, de sua iniciativa, começado a ensinar o ofício a outros reclusos. E mais : disse ao Papa que, se o Pontífice se sentia "preso" no Vaticano, devido a ter de servir a Igreja, ele era solidário com ele e assumia o seu papel de "professor de electricidade" , como forma de "servir", de reabilitar os outro presidiários. Tinham, pois, ambos, uma "missão" de redenção dos outros, muito semelhante...

É para "missões" assim que um Papa deve convocar os seus seguidores : para mudar o Mundo, mas através de pequenos actos de amor bem pessoalizados e localizados, sendo solidários, através da transmissão das nossas capacidades a outros, promovendo, sobretudo, a inclusão de todos.

Como fez o meu "senhor comidas", naquela prisão.

O Papa João XIII, curiosamente, não está sepultado na cripta onde estão muitos dos outros Papas, como Paulo VI ou João Paulo II; estive em Roma, na Basílica de S. Pedro, em Janeiro de 2009, nesse local e procurei o seu túmulo. Não o encontrei. Soube, depois, que está sepultado numa capela lateral da Basílica. Não sei se por opção sua, mas se o foi, mesmo na morte foi diferente : nunca viveu como "Príncipe da Igereja" e como tal não quiz ser considerado.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Acerca da visita de um Papa ( 1)



Na passada 3ª feira, por razões que nada têm a ver com o título deste "post", tive uma conversa , profissional, com um sacerdote, ligado a uma ordem religiosa como raízes profundas, até, no surgimento da Europa de hoje : os Beneditinos.
"En passant", falámos dos últimos Papas que conheci (João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e, agora, o Papa Ratzinger).
Lá fiz as minhas reflexões e opinei, e o meu interlocutor disse-me : "Dr. Abel, devia escrever sobre essas coisas e partilhá-las com a sociedade !".
Eu respondi-lhe : "Sabe, já o comecei a fazer há 18 anos...".
É verdade...
Redescobri, por exemplo, num trabalho recente de organização de "papéis", resultantes de coisas que, há mais de 20 anos, escrevi em jornais, rascunhei para crónicas em rádios locais ou artigos para revistas da minha área académica, um texto, datado do tempo da segundo visita de João Paulo II, em Maio de 1991, a Portugal. Era um rascunho de uma crónica lida, ao microfone da Rádio Lezíria, de Vila franca de Xira, que cobria a área onde eu morava (Arruda dos Vinhos) e onde mantive, durante 2 anos, uma crónica semanal.
Transcrevo esse rascunho pois, uma vez mais, hoje diria o mesmo ...

"João Paulo II vem, de novo, a Portugal.
Faço tenção de o ir ver, ao Estádio do Restelo.
Mas prefiro imaginar uma situação, bem mais agradável.
Imagino que me cruzava com João Paulo II, num qualquer corredor e que podia "meter conversa" com ele.
Dir-lhe-ia, antes de mais, "Bom dia, Santidade, bem vindo a esta nossa parte do seu Mundo".
Depois, perguntar-lhe-ia, sem medo :
Sabes, Santidade, queria colocar-te alguma perguntas que, não pondo em causa a minha fé, me ajudariam a perceber até que ponto és ou não uma mudança nesta Igreja Católica, ou um simples show-man.
Sabes, Santidade, o teu antecessor do sécúlo I, S. Pedro, foi tentado a sair de Roma, pois os cristão, vítimas do louco Imperador Nero, era martirizados às centenas.
Ora, parece que voltou para trás, para morrer ao lado dos seus, pois, numa visão, viu Jesus a entrar em Roma, precisamente, para morrer ao lado dos cristãos, dado que Pedro fugia (cena eternizada no filme "Quo Vadis?").
Pergunto-te, Santidade, estarias disposto, tu, a dar a vida pela tua fé, ao lado daqueles de lideras, numa qualquer moderna "Roma", perante um hodierno Nero, numa versão moderna do Coliseu ou do monte Vaticano (onde os crucificavam) ?
É que um dos teus antecessores, João XXIII, disse, sempre, que a opção da Igreja é pelos pobres, pelos desprovidos de direitos, pelos que começam a duvidar dos valores do amor recíproco e esses não podem ser abandonados. É por esse que somos chamados a viver e morrer. Em que fase estás, Santidade, desse desafio ?
Dir-lhe-ia, ainda :
Sabes, Santidade, tenho encontrado, fora da Igreja Católica, gente que, de verdade, tem dado a vida por aquilo em que acredita, tem perdido carreiras brilhantes, tem, no fundo, deixado tudo, para seguir utopias igualitárias que, na sua prática, quase tocam os preceitos sociais cristãos. Só que não seguem a tua Igreja. Mas, Santidade, não havendo já as fogueiras da Inquisição, tu pareces não os ouvir, nem os valorizar, até parece existir medo em relação a eles, por vezes até desprezas os seus contributos, pois não são "católicos".
Pergunto-te, Santidade : Quem te rodeia deixou tudo para segui-Lo ? Aqueles de quem te circundam não morerriam de medo ou de falta de fé perante um leão do Coliseu de Roma, no século I ? Seriam leais e resistiriam à tortura para não revelarem onde se reuniam os outros crentes, como então acontecia ? Partilhariam aquelas riquezas que vocês dizem ser de toda a Humanidade, mas da qual usufruem quase em exclusivo ?
É que nada disso se parece compaginar com os ricos corredores do Vaticano, como os palacetes das Nunciaturas, com as Casas Episcopais, com a convivência entre o poder político e o poder religioso , hoje já universal. Sei que passou muito tempo ...
Gostaria de te ouvir dizer, Santidade, quando te vir no Estádio do Restelo, que como Seu representante, queres que Deus volte, através dos seus crentes, ao Mundo e que fecunde, de novo, esta Terra, para que quem O representa e segue não O confunda com privilégios, poder ou dinheiro, deixem de O trair através do modo como vivem, enfim, gostaria que gritasses que DEUS É UMA REVOLUÇÃO, porque escolhe-LO significa aderir a um projecto de sociedade fraterna, livre e igual, de forma radical."
Arruda dos Vinhos, Maio de 1991

Afastei-me, progressivamente, da Igreja Católica e, hoje, porque não aceito a dicotomia hipócrita "praticante" e não praticante" (ou se é e se aceita o que é ser, ou não se é) não me posso considerar católico, até porque como "recasado", nem me posso aproximar da mesa eucarística. Essa regra existe, logo, exclui-me e tenho de o aceitar.
Contudo, porque não renego a fé (e, sobretudo, a sua prática socialquotidiana) que aprendi, apesar de tudo, na Igreja onde cresci, mesmo não tendo a menor simpatia por Ratzinger, conto estar na Missa do Porto, na 6ª feira dia 14, que mais não seja para ver o "povo em movimento"...