quarta-feira, 9 de março de 2011

Sobre a "Geração à Rasca"




Escrevo este "post" com algum receio.
É que vou tocar no "Estado Novo" nascente, onde criticar a onda dominante dá direito a anátemas...
Isto porque quero ser bem compreendido, como cidadão de Esquerda, que sou, e que entende tal como acreditar numa sociedade cada vez mais cidadã, participada e igualitária, em todos os níveis da vida, mormente no usufruto dos bens e riquezas.
Faço um "ponto de ordem " : tenho filhos dessa geração, uma com 26 anos e outro com 19; vivo, de perto, porque partilhar afectos é isso mesmo, a vida de outros, alguns mais novos, a quem estas questões, também, se colocam.
Faço um segundo "ponto de ordem" : também me sinto "á rasca" e já tenho 54 anos !!!
Por isso, compreendo a geração dos falsos recibos verdes (que eu emito desde 1997) e da precariedade (na qual eu vivo desde 2002)...
Mas gostaria de centrar a questão precisamente aí.

Os jovens da intitulada "Geração á rasca" vão fazer manifestações em várias cidades de Portugal e, também, noutras capitais europeias, em frente ás Embaixadas portuguesas, de acordo com o JN de hoje; repito, em frente ás Embaixadas de Portugal, logo, como se o problema fosse, só, português.
Isto merece-me uma reflexão, daquelas que posso exprimir, sem que, amanhã, me chamem "nomes feios".
Sabe a "Geração á rasca" que foi o modelo capitalista neo-liberal, existente desde 1980,que criou o modelo de fugaz prospreridade no qual cresceram, com um ensino que não qualificava, com o estimulo ao consumo, com um paradigma de sucesso baseado na competição quase fraticida, que criou esta estado de coisas ?
Sabe a "Geração á rasca" que as Associações Patronais, os Sindicatos, os "fazedores de opiniões" os continuam a enganar, incentivando-os a exigir aquilo que o tal sistema, onde as gerações anteriores viveram e os privilegidos prosperaram, já não pode dar : o emprego e trabalho para toda a vida ?
Sim, a precariedade é a regra, não a execepção; o trabalho dependente tenderá a ser substituído por cada vez mais prestações de serviços. Mas isso é o fruto do sistema que permitiu que os pais (como eu...) da dita "geração rasca", comprassem casas, carros, se endividassem e lhes transmitisem essa "pesada herança" cultural.

Da "Geração á rasca" retenho imagens concretas e claras, porque corporizadas em coisas e pessoas que vi :
- Um jovem, num "workshop", em Évora, em Junho, sobre empreendorismo, que, ao ouvir falar de sistemas de incentivo para a criação do próprio emprego, dizia "Mas eu não quero ser empresário, quero é saber QUEM VAI RESOLVER o meu problema de emprego"...
- Um jovem a quem os pais compraram um carro (como símbolo de alguma coisa...), que, morando em Vila Franca de Xira, dizia que tinha de ir na sua própria viatura para Lisboa, trabalhar ou estudar (não sei...), pois não tinha transporte públicos que o servissem (isto num local onde, de 20 em 20 minutos, há comboios urbanos para 3 linhas de acesso a Lisboa...)
- Um jovem tardio, já com 30 e poucos anos, morando na área metropolitana do Porto, em cuja cidade estudou e onde, hoje, é gerente de uma empresa, que confessa que NUNCA, na sua vida, andou de transportes públicos (por sinal, na zona de Portugal que há mais de 10 anos tem a melhor rede de transportes urnanos do País, que chega a 40 Km do centro do Porto...)
- Uma jovem, ainda hoje, que, no Expresso que me trouxe do Porto ao Sul do País, dizia que estava num estágio profissional e tem aproveitado os escassos meses de salário para comprar um carro e "meter-se" (entenda-se comprar, não arrendar...) uma casa, isto embora não soubesse onde se iria desenrorrolar a sua vida profissional futura.
Corro o risco de ser considerado "reaccionário", mas o que coloca, verdadeiramente, esta geração "á rasca" é o facto dos pais, dos professores, dos dirigentes sindicais, dos dirigentes patronais, dos lideres de opinião, enfim dos fazedores de opinião, lhes continuarem a dizer que existe o que há muito já acabou : o emprego dependente, fixo e permanente e todos os paradigmas e mitos culturais anexos.
Tenho 54 anos, vivi a adolescência e juventude vendo e admirando outros "rascas" ; os "hippies", que propunham um outro mundo, sem regras ou com outras novas, baseadas no amor livre e em fazer amor, não guerra (logo, em coisa e ideias diferentes das antigas); daqueles que eram presos, torturados, perdiam empregos e famílias, para lutarem por uma OUTRA ordem económica e social diferente e, por isso, eram realistas pedindo coisas impossíveis, mas estruturalmente diferentes das existentes.
Hoje, doi-me que a "geração á rasca" queira o refúgio do passado, peça aquilo que que o capitalismo neo-liberal já destruiu e, embora seja a geração mais qualificada de sempre, não tenha a capacidade de reivindicar SOLUÇÕES NOVAS, uma nova ordem económica e social, mas queira, sim, salvaguardar a aparentemente cómoda ordem moribunda, aquela onde os seus pais enganadoramente viveram, exigindo aquilo que o sistema já matou (o tal trabalho para a vida toda, certo e permanente).
Doi-me, a mim que ainda hoje luto, no dia a dia, pela dignidade do meu trabalho, ver que esta geração está a gastar energia, que podia ser criativa, centrando-se na manutenção de modelos que o sistema (que os icentiva), já "assassinou". Porque não propôr outros ?
Confesso : aplaudiria manifestações que, junto aos edifícios que representam em Lisboa, Bruxelas, Estrasburgo, etc, o sistemna que usou e descartou este modelo de sociedade, exprimissem o seu descontentamento e apresentaassem propostas para o futuro (os radicais do Maio de 68 , em Paris, fizeram isso, tal como os de Tianamem tal como os da Líbia, Egipto e Tunísia de hoje).
É que a crise não é portuguesa e parece que anda tudo distraído, quando o "novo mundo" parece renascer no Magreb, bem aqui ao lado, onde quem vive bem pior do que nós tem coragem de arriscar a "vida estável" em nome de soluções futuras e não na manutenção de respostas do passado, bem mais cómodas .
Tudo o que não seja isso, parece-me um exercício estéril, mediático ou, talvez, bem manipulado, pelos "suspeitosdo costume..."