quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Por um Natal com a verdade possível..

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UM BOM NATAL



Deus está vivo….

No “mais fundo do fundo” do hipócrita “espírito de Natal”, minado pelas estratégias comerciais, ainda é possível vislumbrar a mensagem essencial:

Deus é de todos e para todos.
Ultrapassa e faz convergir as diferenças culturais (significadas no “Reis Magos”), é anunciado ao Mundo pelos mais desprovidos (os pastores), desde logo perseguido pelos poderosos (simbolizados no tal Rei Herodes).

Mais tarde, deixará a Família, a sua Terra, a sua Segurança e irá tratar de mudar o Mundo. Afinal, fazer o essencial.

Depois, será morto, mas Deus só morre por 3 dias…; mas essa é outra parte da história, porque não há Natal sem Páscoa.

Agora, celebremos o nascimento e o seu simbolismo.


UM BOM NATAL, PARA MIM, É ISSO :

ACREDITAR QUE UM NOVO MUNDO SEMPRE TEM SIDO POSSÍVEL ! E JÁ TAMBÉM É!

O desgosto do ano e as novas esperanças, ou seja, como alguns pobres diabos não atingiram os seus objetivos...




Chegou ao fim, em 30 de Junho deste ano e 2013, quase há 6 meses, a minha vida profissional  em Avis (que havia iniciado em Fevereiro de 2011). Cerca de mês e meio antes, no "facebook", anunciei essa intenção,
O então suspender, em 2012 , das aprovações, "sine die", de financiamentos comunitários a projetos de trabalho social e de formação, sem data, da autoria do inenarrável Governo, tornaram intolerável, para mim, um "limbo laboral" de quase 14 meses.
Agradeço o apoio que tive, nesses anos, por parte  os avisenses que em mim acreditaram.

Depois, vieram os desgostos.
Dois incidentes, em que, como promotor de formação, fui BURLADO por duas entidades formadoras, tornaram, durante o mês de Junho, a minha vida em Avis intolerável e insuportável, pois mesmo os meus amigos (ou que o pensava serem) não tiveram dúvidas em me assacar culpas, por ignorância, má fé ou manipulação, de algo onde o principal prejudicado fui eu. Esqueceram os principais culpados : as ditas empresas de formação, independentemente de terem ou não mudado de nomes e donos.
Alguns, pobres diabos, nem tiveram dúvidas em recorrer a coação física, ameaças telefónicas, e, em Setembro, recorrendo a "capangas" (os cobardes nunca dão a cara), me extorquirem 400 € sob ameaça. O assunto será em breve tratado em sede própria (e mais não devo dizer), por conta dos supostos prejuízos causados.
Esquecem o fundamental. Tenho consciência do que ajudei a realizar : 6 600 horas de formação para desempregados e activos, com 75 formandos diferentes; o nascer de uma procura deste tipo formação/conhecimentos que não vi em mais algum lado; o "abrir da porta" de uma Instituição que nunca o tinha feito; o nascimento de uma Universidade Sénior ( entretanto parece que encerrou), o acolher da Associação Juvenil Sombra Partilhada em espaços de minha responsabilidade...
Tenho consciência dos "anti-corpos" que criei : as "beatas" nem me podiam ver; os poderes políticos locais passaram da paixão inicial a um não assumido, mas visível, alheamento, num "tirar do tapete" muito "soft", mas evidente...
Deixei Avis triste. Mas pertence ao passado.

Porque sou um "resistente", vou continuar a apostar no desenvolvimento  do interior (estive em Setembro e Outubro em Ferreira do Alentejo) nos locais difíceis , ou junto de quem trabalha com públicos difíceis (como aconteceu em Novembro e até há dias, em Faro). Daqui a dias, lá vou para outro local, muito mais a Norte.  Ao contrário dos pobres diabos, sempre servis aos poderes e a quem financia, terei sempre um novo projecto pessoal e profissional, mesmo aos 56 anos. Pablo Neruda disse "Confesso que vivi". Assino por baixo, mas conjugo o verbo no presente..

Porque gosto de Mercados Municipais...





Ao longo da minha vida, habituei-me a frequentar mercados municipais, desde muito pequeno.
Gosto do cheiro que têm, mesmo se intenso, como o do peixe, ou doce, como dos vegetais e frutas, ou agressivo, como o das bifanas e café, porque no mercado, a vida começa cedo e, lá para as 7h da manhã, já se come algo substancial, tipo almoço antecipado.
A minha vida nestes úlimos anos fez-me, por gosto e curiosidade, ir a muitos mercados, talvez porque acordo cedo, talvez porque gosto mesmo, isto nos diversos locais onde a vida profisional itinerante me leva. Mas a verdade é que procuro sempre o mercado municipal, onde quer que esteja.
Vejo e vou a muitos : aqueles que, após obras de requalificação, perderam quase a sua importância, porque os clientes se transferiram para as grandes superfícies, aqueles que, também requalificados, continuam vivos e com muita gente.
Mas há algo que só os mercados municipais têm : aquela vida muito madugadora e intensa, onde se cruzam vendedores, compradores, jovens universitários a "curarem" a ressaca recente, gente "respeitável" com "tróleis" para compras, "alternadeiras" que deixaram o "serviço", sem-abrigo que vão beber um café, polícias que saem do turno, etc., todo um conjunto que só aí se junta sem discriminação ou preconceitos.
Em Évora, no Mercado, na minha última passagem profissional por essa minha terra, habituei-me, ás 7h 30m da manhã, á bifana no "Martinho", ao copo de branco no ambiente tauromáquico do "D. Bárbara", á genebra no café "Pequeno Almoço" ; esse era o meu matutino almoço, isto entre pessoas que, a essa hora, já comiam de garfo e faca...
Há semanas, descobri o Mercado de Faro e lá tomei várias vezes, durante o mês em que chamei minha aquela cidade, o meu almoço antecipado, ás 08h 00: favas com enchidos e "meio quartilho" de branco, por 3 €, seguido de genebra.
Eu já voltei aos Mercados.  Passos Coelho ainda aspira a isso....
 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CRÓNICAS DE AVIS (VII) - EM AVIS FALTA CIDADANIA ATIVA


Fez, em 14 de Fevereiro, 2 anos que vim residir para Avis.
Geralmente, 2 anos não chegam para que alguém possa opinar sobre o local onde vive, ainda mais quando essa vivência começa por ser feita por causa da vida profissional e, só depois, se torna uma opção pessoal de fundo.

Contudo, penso ser o meu caso diferente. Logo no primeiro dia que pernoitei em Avis, logo no primeiro fim-de-semana que cá passei, tive a preocupação de andar muito na rua, saber onde ficavam os cafés, saber os locais do (pouco) comércio, etc. Sempre assim fiz, nos muitos locais onde tenho vivido, por razões profissionais que, cedo, se tornam pessoais. Nunca fui de ter “torres de marfim” onde me refugio, feito “Senhor Doutor” ou “intelectual”. Às vezes perco mais do que ganho, mas, enfim, são escolhas.
Tudo isto, penso, autoriza-me a ter opinião sobre o que faz falta em Avis .

Assim, começando pelo fundamental :
EM AVIS FALTA CIDADANIA ATIVA

Chocou-me, nos meus  primeiros dias  de Avis, em 2011, o contraste com a Vila que eu conhecera no tempo da “Reforma Agrária” : via, agora, ruas desertas,  casas degradadas e abandonadas, o que levava a pensar : “Onde me vim meter ?”.  Por causa da atividade profissional que cá vinha fazer (abrir as portas de uma Fundação “em banho maria” e organizar, na mesma, um pacote de formação) , logo tive de contactar com os Poderes Locais, fossem eles órgãos municipais ou instituições. Fui corrigindo essa imagem. O sítio “onde me vim meter” tinha características próprias, mas, era potencialmente vivo, e isso logo ficou evidente, por exemplo, nas mais de 60 pessoas que, durante um ano, procuraram e frequentaram formação, ou no encanto inicial (sublinho o “inicial”) que os poderes tiveram pela minha pessoa e pelo que eu fazia.

Esperavam-me experiências e tempos difíceis, um ano depois de cá chegar (digamos, a partir de Fevereiro de 2012) : os poderes locais, porque, gradualmente, perceberam as minhas opções políticas e ideológicas (que nunca escondo, sublinho), começaram um lento “tirar do tapete” e um camuflado desincentivar de tudo o quê lhes parecia feito ou emanado da minha pessoa. Recordo o episódio, de 5 de Novembro de 2011, com a apresentação da Universidade Sénior de Avis : nesse dia e na sua preparação, “pompa e circunstância”; depois, o desinteresse, a omissão, que se foi transmitindo a alguns que voluntariosamente, se tinham oferecidos para trabalhar. Houve quem me dissesse :  “Como a Câmara não apoia, isto nunca vai ter força para continuar, logo, não vou perder tempo a colaborar…”
Em suma, este (e outros) episódios levam-me a pensar o seguinte :

- EM AVIS, UM PODER LOCAL, QUE DURA HÁ 36 ANOS, POR TER SIDO IMENSAMENTE “PAI DOMINADOR”, CONDICIONOU A CAPACIDADE  DA POPULALÇÂO PARTICIPAR

Explico melhor : como em muitos locais do País, onde o Poder (seja de que cor for) é esse “pai dominador”,  cresceu, aqui, um espírito de “comprar tudo feito”, ou seja, a população habituou-se a usufruir de bens e produtos (culturais, educativos, associativos, até económicos) sem ter necessidade de participar na sua produção, na sua conceção, ou, mesmo, de ter ideias novas para eles. O Poder Local e alguns outros poderes institucionais substituíram-se á republicana ideia da participação cidadão e apropriaram-se dela . Mesmo, salvas honrosas exceções, o movimento associativo ou alguns “bem pensantes” locais (repito, aqui como noutros muitos locais) tende a viver, de forma subsidiária, em relação a esses poderes, receando, até, autonomizar-se deles ou pensar e agir de forma que o “afronte”.
Numa terra que foi, há menos de 40 anos, a “capital da Reforma Agrária”, um movimento social de vasta participação popular, isto parecia-me estranho.

Contudo, não o era, numa segunda análise. Nesses tempos brilhantes do pleno emprego no Concelho, no fundo, as pessoas já iam “comprando tudo feito” : eram os dirigentes que desse movimento que  eram o tal “pai dominador”, cuja preocupação era que todos tivessem o que precisavam, fornecendo-o, e não envolvendo as pessoas em todo o processo que a tal conduzia. As pessoas eram “consumidores finais” de um bom produto (sem dúvida), mas não estavam totalmente envolvidos em todo o processo.

Ora, se tivermos em conta que o movimento social da Reforma Agrária foi dirigido pelo PCP e que o mesmo PCP sempre teve o Governo Político do Concelho, podemos concluir que o “pai dominador” funcionou sempre, na história contemporânea do nosso Concelho, tudo provendo, tudo fornecendo, considerando desnecessária a participação dos cidadãos ou fazendo dela um mero cerimonial. Veja-se, por exemplo, naquilo que eu considero, num Concelho supostamente governado á esquerda, as tristes e cinzentas cerimónias das comemorações do 25 de Abril, onde não vi quase nenhum “cidadão comum”, como eu e onde nem a oposição nos órgãos autárquicos compareceu. Veja-se, por exemplo, a frase, que quantas vezes ouço, tipo “A Câmara que faça !”, ou, numa outra face da mesma moeda, a preocupação , quando existe uma nova iniciativa, “Mas a Câmara sabe que isto vai acontecer ?” (esta já me aconteceu 2 vezes). Ou, um caso institucional, o falhanço da tentativa de implementação, em Avis, da Agenda XXI Local, metodologia de gestão participativa de um município.

Em suma, Avis precisa de uma cidadania ativa.

Como referi, há exemplos excelentes, em Avis, de iniciativas do movimento associativo, repito, iniciativas próprias, que, naturalmente, os poderes apoiam, logística e financeiramente.

Mas, continuando a usar a linguagem da psicologia, não sei se o assumir da cidadania, em Avis, pelas pessoas, não passará pela substituição de um Poder que é “Pai dominador” (tudo faz, põe ao dispor e controla), por um Poder que seja “Pai nutritivo” (que estimula, suscita atitudes e iniciativas, respeita a autonomia e caráter de cada um e apoia).

 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

RETOMO O MEU BLOG, EM EXCLUSIVO COM "CRÒNICAS DE AVIS"



Este blog tem vários anos.
Em 25/05/2012, encerreva (pensava eu...) um conjunto de textos chamados "Crónicas de Avis".
Iniciei-o em 11/04/2011, 2 meses depois de ter "assentado praça" em Avis  e, hoje, considero que essas foram as crónicas do meu encanto, com uma terra e um Poder que acolhia tudo o que eu sugeria; a última, de 25/05/2012, é a crónica de um desencanto quase final. Por vezes, as "Crónicas de Avis" cruzavam-se  com as "Crónicas do Marco", outro Concelho que é a minha paixão, mas onde, hoje, não resido.
Hoje, reabro este espaço. Porque, em Junho de 2012, resolvi que a minha vida profissional e social, nesta terra do Mestre de Avis, que uma estranha aliança quiz liquidar, só dependia de mim. A Universidade Senior e a Àgora Avis por mim falam ...
Vai haver eleições autárquicas em Novembro e eu, Avisense por opção, que escolhi, há 2 anos, aqui viver, aqui tenho morada oficial, aqui irei votar, julgo-me no direito de dizer o que penso, sobre o melhor para a minha terra atual. Sem que ninguem me tenha "encomendado o sermão".
Quem quiser atualizar-se e ler o que, antes, escrevi, sobre Avis  - CRÒNICAS DE AVIS" (do encanto ao desencanto, diria hoje ), aqui deixo as datas dos "posts", ainda disponíveis na barra respetiva :
11/04/2011
02/05/2011
17/05/2011
24/06/2011
03/09/2011
25/10/2011
25/05/2012
A todos e aos Avisenses em especial agradecerei leituras e comentários.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

 
 
 
 
 NO FIM DA TELENOVELA "GABRIELA" : MUNDINHO FALCÃO/ANTONIO JOSÈ SEGURO..

Vi, com 20/21 anos, a novela “Gabriela”, na sua primeira versão.

Aos quase 56 anos, vi a versão atual. 36 anos mudam, claramente, o nosso modo de ver. Não que a sensual Sónia Braga fique atrás da Juliana Paes. Teria dificuldade em me posicionar sobre a beleza de qualquer delas. Não é disso que quero falar. Quero falar de um personagem , Mundinho Falcão, que, nas cenas finais, me marcou, em ambas as versões. Só que nesta última, talvez porque estou mais consciente, chocou-me, porque antevi, quase, a postura de alguém que até é do meu Partido.

Mundinho Falcão, um democrata,, em Ilhéus, gasta a sua vida e fortuna a afrontar e combater os Coronéis do cacau, políticos títeres e tiranos. Escapa, mesmo, a tentativas de assassínio. Choca, com o seu modo de vida, a catolicamente hipócrita sociedade local (onde, afinal, a maior beata havia sido prostituta…).

Na véspera da eleição, o seu opositor, Coronel Ramiro, morre de doença súbita. Logo os Coronéis o visitam, com uma delegação, oferecendo-lhe o apoio, que ele aceita. Dos mesmos que, horas antes, conspiravam para o assassinar…

No dia da vitória em eleição (digamos assim, por falta de comparência do adversário), lá estava, á boca das urnas, um bando de Coronéis e jagunços, “conferindo” de cada eleitor iria votar em Mundinho. E ele pactuou.

Eleito, no seu discurso de tomada de posse, Mundinho elogia o papel do seu antecessor Coronel Ramiro (o tal que ele combatia e que o tentou matar e o impedia de namorar a neta, internando-a num Convento), como determinante no desenvolvimento de Ilhéus, mas, prometendo mais“abertura” e desenvolvimento. E, depois, passeia-se nas ruas, com os símbolos do Poder dos Coronéis (a bengala, o charuto), com os Coronéis ao seu lado.

Lembrei-me de António José Seguro. Se calhar, ainda este ano, ganhará eleições por “morte política” de Passos Coelho. Ou seja, por “falta de comparência” do adversário. Sobretudo por isso.

Ao “namorar”, numa recente entrevista, o PSD “verdadeiramente Social Democrata”, como possível aliado de diálogo, contra o PSD “Liberal”, seleciona os “Coronéis” com quem quer estar acompanhado.

Por tudo isto, a alternativa política tem de ser liderada pelo PS (claro…), mas aliado á Esquerda parlamentar e á esquerda “das ruas”, e não ao “Coronéis” arrependidos…

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Deus, se morre, é por três dias...



Sobre o sentido social da morte de Jesus Cristo
Estes texto foi publicado, por mim, no Jornal "Açoriano Oriental", de Ponta Delgada, na longínqua Páscoa de de 1992; foi republicado no Jornal "Clarim", de Arruda dos Vinhos, na Páscoa de 2004.Hoje, recupero-o, 20 anos depois.
Porque é verdade.
Porque existe uma contra-natura (uma vez mais) aliança entre o Poder Político e o Poder Religioso.
Porque, em Avis, o Poder dos Corvos, dos "Sepulcros caidados de branco", feito "beatas", tudo exterminam e assassinam o trabalho social, vilipendiam o atendimento social, onde "corvos" assitem ao aco técnico de atender.
Porque hoje voltaria (ou voltei, porque já perdi tudo o que tinha a perder) a escrever o mesmo. Haja vergonha e seriedade !

" Não é novidade, para ninguém, a importância que o calendário judaico-cristão atribuiu á Páscoa. Embora por razões e factos diversos, essas duas grandes famílias religiosas fazem,desse tempo, ponto alto do seu ano.Gostaria de me reter sobre o facto que, para todos os cristãos, marca a Páscoa : a morte/ressurreição de Jesus. Quero fazê-lo como simples "leigo", ou seja, enquanto pessoa que acredita que, para além das leituras mais ou menos "místicas" e "sagradas", há um significado social, uma interpretação "civil" desse acontecimento, que é património de toda a Humanidade, do qual nenhuma Igreja institucionalizada é proprietária exclusiva.Há dias, ouvia num templo católico, um sacerdote afirmar que Jesus havia morrido por nós, para nos "resgatar". Tudo bem. Mas, para nos resgatar de quê ? Da morte, dirão alguns, pois deu-nos a vida eterna; do pecado, dirão outros, pois assumiu, sobre si, as culpas de todos nós. Perfeito ! Na catequese dominical aprende-se muito....Mas, para alguém que não tenha fé, que não acredite na vida eterna, que ache o pecado uma figura de retórica, que ensinamentos pode tira da morte de Jesus ? É aí que me quero deter, dando despretensioso contributo para uma interpretação "civil", social, da morte de Cristo.A morte de Jesus é a aniquilação do Eu.Explico-me :Jesus disse um dia "Eu sou a Vida"; quem tal afirma, não pode ter personalidade frágil, nem desejar a morte, nem escolhê-la, como um vulgar suicida. Nada nos Evangelhos permite pensar tal. Jesus apresenta-se como um homem determinado, que afronta o "establishment" da época. Por exemplo, uma vez a multidão pretendia precipitá-lo de um monte, , mas, segundo os Evangelhos, Jesus, muito naturalmente, "passou por entre eles e seguiu, sem ser molestado". Isto só pode ser feito por alguém de forte carácter.Assim, como primeira conclusão, resulta que Jesus era um Homem de forte personalidade.Passemos a um segundo aspecto. Um dia, Jesus afirmou: "Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me"."Negue-se a si mesmo". Que pode significar tal expressão ? O mesmo que muitos outros convites que fez : para "deixar tudo" e segui-lo, para "não olhar para trás, após ter deitado as mãos ao arado". Mas avancemos mais. S. Paulo fala, anos depois, do "Homem Novo", fruto da "morte" do Homem sem fé. O próprio Jesus já havia falado de "nascer de novo".Fica claro que, nesta acepção, a mudança, para a nova vida que Jesus trazia, se fazia pela negação da anterior, por um corte com a vida que, até aí, se fazia; ou seja, é condição, para a nova vida, que se deixe a antiga.Eis a segunda conclusão : teríamos de nos esvaziar de nós mesmos, para que, dentro de nós, algo nascesse de novo, diferente.Juntemos, agora, essas duas conclusões. Um homem, de forte personalidade, ensina os outros a esvaziarem-se de si mesmos. Paradoxalmente, parece que quer ser seguido por gente despersonalizada, que, voluntariamente, perdeu o carácter, para serem do seu "rebanho". Nada mais errado. A chave da interpretação do paradoxo é a morte de Jesus.Expliquemos: Jesus morre porque quer.No seu processo jurídico, teve várias "deixas" para evitar a condenação. Não o fez. Para cúmulo, já crucificado, acusa Deus Pai de o ter abandonado ("Meu Deus, porque me abandonastes ?").Eis a chave : Jesus, o tal homem de forte personalidade, considerando-se o Filho de Deus, experimenta a suprema negação de si mesmo, de todas as suas certezas, deixa "cair" todos os seus atributos por terra : já não é o líder de massas, o suposto "rei" dos Judeus, sequer o Messias, muito menos o filho querido de Deus. Experimenta a suprema aniquilação do seu "eu", deixa por terra aquilo que ele mesmo sabia ser.Que podemos concluir : o Cristianismo é o elogio da desporsanilação ? Não, não nos precipitemos.Jesus aniquilou o seu "eu", experimenta a "morte"; de tudo, mesmo das suas certezas. Mas, atenção, ressuscita, depois. Ou seja, reassume todo o seu ser, todo o seu "Eu", mas, digamos, já fortalecido, robustecido, consolidado, transformado pela experiência que foi perdê-lo.Então, que conclusão tirar ?Como religião de preceitos sociais, o Cristianismo é de vivência colectiva. O próprio Jesus havia dito "Onde dois ou mais estiverem juntos em meu nome, eu estarei no meio deles" (Mat.18:20). Ou seja, a morte, a aniquilação do nosso "Eu", só tem sentido se acontecer para que algo nasça de novo. mais robustecido. Jesus não diz "Onde um estiver em meu nome", mas, sim, têm de ser dois ou mais...; assim, só faz sentido que eu deixe "cair" a minha concepção de vida, a minha ideologia, a minha personalidade, se, daí resultar o surgimento de uma nova ideia de vida, uma nova forma de ver o mundo, uma personalidade nova.É este o sentido social da morte de Cristo : Não há personalidades, certezas, ideias, filosofias, que se possam considerar fortes se, continuamente, não estiverem dispostas a deixar-se "cair" a "negar-se", para que depois nasçam de novo, mais robustas e transformadas.Esta "negação" tem um profundo sentido social. Se eu, perante o outro com que me relaciono (em casa, no trabalho, na vida social e política, etc), me dispuser a perder a minha ideia (mesmo que a julgue a mais adequada), a minha concepção, a minha imagem, concerteza estou mais aberto a ouvir o outro, a considerar a sua opinião, a ver o positivo das suas propostas. E o outro, se estiver na mesma disposição de "negar-se a si mesmo", sem dúvida que, entre nós, no meio de nós, nascerá uma ideia mais perfeita, uma concepção mais aperfeiçoada, uma opinião mais consensual, uma maneira mais eficaz e eficiente de fazer face ao problema.Mas tudo começou porque alguém "morreu" para si mesmo...; mas fez isso não pelo prazer da dor e da "morte", ou para se "auto-flagelar" ou humilhar de forma masoquista, mas para, três dias depois, "ressuscitar" .E mudou o mundo e a vida de muitos.Por isso, faz sentido "morrer", mas para "nascer de novo".
Vila Franca do Campo (Açores), Páscoa de 1992