quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Novos discursos sobre a Economia e Sociedade (II)


A CHAMADA "ECONOMIA SOCIAL"...

Os novos discursos sobre a Economia e Sociedade passam, também, por uma reflexão sobre o modo de estar do chamado "Sector Solidário", ou da Economia Social.
O texto que apresento´é de minha autoria, dos meus tempos de docente do Instituto Superior de Serviço Social (Beja) e de dirigente regional (Évora) da Rede Europeia Anti-Pobreza.
Foi usado (nesta versão ou em adaptações) em comunicações em reuniões internacionais que fiz em Argel, Lille, Paris, Sardenha, Zamora, entre 2000 e 2004.
Continua actual. Daí o colocar à reflexão.
Porque o mundo, bem português, das ditas IPSS, Mutualidades, Movimento associativo em geral, Cooperativas e Misericórdias tem de ser avaliado e repensado.

"A reflexão sobre a “Nova Economia” incide, também, sobre a tão em moda Economia Social.
Importa, pois, reflectir sobre o que é o terceiro sector/economia social e o que ele significa, não só enquanto atitude perante o “lucro”, mas, também, enquanto forma própria de organizar os recursos humanos e financeiros, assim como do prestar serviço.
De facto, o conceito de “terceiro sector” é, neste momento, a chave da refundação política e técnica do “mundo” da intervenção social e, como tal, deve ser clarificado, para melhor entendimento da mesma .
Assim, é habitual usar-se o termo “terceiro sector” ou, para outros, “terceiro sistema”, ou mesmo "economia social", para referir o nível da organização social onde a mediação entre as pessoas e a criação de riqueza é feito pelos cidadãos organizados entre si, e não pelo “Estado” ou pelo “Mercado”.
Esse entendimento á consensual. Contudo, existem, claramente, 3 “famílias” constituídas em torno de 3 maneiras de entender quer o objectivo, quer o tipo de intervenção própria do “Terceiro Sector/Economia Social”:
 A francófona , que remonta ás práticas de solidariedade económica interclassista, de reacção ás transformações derivadas da industrialização do fim do sec. XIX e os perigos do capitalismo nascente, cristalizada no surgimento de mutualidades, confrarias, cooperativas, visando apresentar alternativas sobretudo ao impacto económico do sistema dominante
 A anglo-saxónica , radicada no voluntariado sócio-caritativo e filantrópico, voltada para a acção social clássica ou para o apoio aos “desfavorecidos”, de onde nasceram as associações humanitárias, os clubes filantrópicos, a solidariedade social interclassista
 A mediterrânica, de constituição mais recente, que se radica na constatação da existência de desvantagens sociais próprias dos sistemas, que só podem ser combatidas com actuações simultâneamente preventivas e reparadoras sobre tudo aquilo que impede a realização da cidadania social; o seu fruto são, entre nós, as Associações de desenvolvimento local, ou as Cooperativas Sociais italianas
Em qualquer destas perspectivas, ao falar de “terceiro sector” estamos a referir-nos a um conjunto de instituições e organizações que tentam satisfazer as necessidades dos cidadãos através da organização dos próprios, movidos por uma lógica que não está centrada nem no lucro nem na dependência dos poderes públicos, mas na auto-organização dos cidadãos, ou, se preferirmos, da chamada sociedade civil.
Eis, pois, o essencial da questão:
Falar-se-ia de “terceiro sector”, para o distinguir, em termos organizacionais, do primeiro (o do Estado, o “não lucrativo”, que chama a si um conjunto de actividades e serviços que, pela sua importância ou necessidade, não podem funcionar na lógica do lucro) e do segundo (o do Mercado, o do “lucrativo” que chama a si as actividades e serviços que se entende servirem melhor a sociedade se funcionarem na lógica da oferta e procura). O “terceiro sector” seria o do “sem fins lucrativos”, ou seja, aquele onde o motivo central da actuação é, por si mesmo, a satisfação de uma necessidade através da auto-organização dos próprios interessados ou da mobilização dos cidadãos, enquanto tal, com esse objectivo. Ou seja, o que distinguiria uma organização do terceiro sector seria o prestar serviços numa perspectiva não de “ganhar dinheiro” ou de “disponibilizar benefícios”, mas, sim, de satisfazer as necessidades. Daí que, dominantemente, o terceiro sector surja associado a actividades/necessidades que o Estado e o Mercado não contemplam , não acautelam ou não estão na sua natureza : a promoção da inclusão social, por exemplo.
Em Portugal, assim como noutros países (como a Itália ou a França), tem-se optado pelo uso da denominação “terceiro sector”.
Não havendo, ainda, largo consenso, quer académico quer “no terreno”, sobre o tema, parece, contudo, haver, já, um entendimento generalizado sobre as características de uma organização do terceiro sector:
• Criação associativa de raiz, visando suprir uma necessidade (nascem da sociedade civil e por sua iniciativa)
• Gestão democrática
Convergência tendencial utente/agente (ou seja, numa situação ideal, os beneficiários e utentes coincidem com os próprios associados)
• Reintegração social dos lucros (que é diferente de não ter lucro)
Nesta perspectiva, encontraríamos, no “terceiro” sector, vários domínios de actividade, tais como :
A “economia social”, ou seja, a organização para satisfazer necessidades em áreas deixadas a descoberto pelo Mercado ou o Estado ou, mesmo, criadas pelo seu deficiente funcionamento (ex: a acção social tradicional, os “serviços de proximidade”)
O “empreendorismo social”, ou seja, organizações que disponibilizam o mesmo tipo de serviços que o Mercado, mas com a exclusiva preocupação de satisfazer as necessidades (ex: as associações de micro-crédito, as cooperativas)
O “associativismo civilista”, ou seja, a organização dos cidadãos para auto-garantirem determinadas componentes da qualidade de vida (ex: as associações culturais, desportivas, ambientalistas)
Assim, evitam-se as infelizes confusões que a União das IPSS, a União das Mutualidades, a Cáritas Portuguesa, a União das Misericórdias, têm defendido, em nome do seu interesse corporativo.
De facto, em vez de dizerem que “substituem o Estado nos seus deveres”, deveriam dizer que são uma resposta alternativa e complementar ao Estado. Porque nascem do seio dos cidadãos excluídos, “dos últimos dos últimos”, que dizem, afinal, representar.
Mas isso era fugir à tão agradável subsidio-dependência
Será preciso, talvez, infelizmente, um "escandalo" económico", talvez, para este tipo de Instituições caírem em si. Para separar o “trigo” do “joio”.
Para bem da afirmação da Economia Social."

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