sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Crónica, de várias áreas geográficas, sobre a centenária República



A minha alma é demasiado parva.
Ainda me admiro com muitas coisas.
Ouvi, a 20 de Setembro, num sítio sério (um Tribunal), um autarca (a letra pequena não é erro, é opinião) Presidente de Câmara, que está no seu terceiro mandato (após um onde não foi eleito), dizer, nesse sítio respeitável, onde a Lei Fundamental e as dela emanadas valem, que, de facto, existem duas situações distintas, antes e após eleições autárquicas : até ao anúncio dos resultados, os candidatos "foram lá" por Partidos, Coligações ou Listas de Independentes. Depois, passam a ser eleitos do Município, logo, podem, esquecer os Programas pelos quais se candidataram e foram votados, e qual Estado Novo revisitado, mandar para "as urtigas" o Programa que subscreveram. E, por si mesmos, "casar" com outro Programa, "á beira do altar" !
Fiquei, nesse dia 20 de Setembro, admirado. Atónito. Estava a ouvir um Presidente de Câmara, no seu 3º mandato.
Mas logo perdi a dúvida.
Alberto João Jardim (eleito há 36 anos, sem interupções) declara, em 28 de Setembro, que "O seu Partido é a Madeira e o PSD é um seu instrumento." Repito, um seu instrumento ! Não há Programas, projectos políticos, mas, sim, um poder pessoal. Se o intrumento não fosse o PSD, seria outro ! Há, sim, um projecto de poder pessoal que, por razões "instrumentais", precisa de um Partido, o PSD.
Não gosto de Alberto João, mas ele, pelo menos, é sincero.
O Autarca, que, em 20 de Setembro, disse, perante um Tribunal da nossa República, a enormidade que disse, se o foi, só demonstrou o mesmo, numa versão menos corajosa : estar num registo constitucional que ainda não existe.
Não tem a coragem do madeirense : não diz que sempre viu na lei eleitoral um "instrumento".
Mas, tal como o madeirense, ganha eleições e tem os eleitores que merece e que o merecem.
Manuel de Arriaga, o Açoriano que presdiu ao primeiro governo republicano, bem disse, quando se desiludiu com o novo regime: "Vamos ter uma República sem republicanos, mas com beatos, sacristãos, bons chefes de família bem pecadores, habituais dos lupanares, das sociedades secretas, das mais soturnas sacristias, mas de uma seriedade impoluta. Logo que, quando nasce o Sol, vão dizer que são eles a República na sua pureza!".
100 anos depois, apesar disto tudo, sou Republicano, Socialista e amante (mas só dela, como ideia) da Cidadania.
E, infelizmente, estou a pagar por isso, á mão dos estúlticos que Arriaga enumerou...
E com muita honra.
Porque vivi na "terra" de Manuel de Arriaga, durante váios anos, transcrevo um exemplo da sua desilusão, relatado pelo escritor Augusto de Castro :
Augusto de Castro relata uma conversa com o ex-presidente Manuel de Arriaga pouco antes de este morrer, em 1917: "O velho, de admirável cabeleira de tribuno, de porte aristocrático e olhar romântico, que fora outrora um dos mais lindos rapazes do seu tempo, transformara-se em meia dúzia de meses, num velhinho curvado e triste (...) Arriaga contou-me os únicos prazeres do seu exílio - as flores, as suas telas, os seus poetas (...) Naquela tarde, sentado nessa saletazita que um raio de sol aquecia, contei ao pobre velho as minhas fáceis previsões. A política não fora feita para os idealistas e para os poetas, como ele - acrescentei. Arriaga escutou-me em silêncio, forçando um sorriso de comprazimento. Uma névoa de lágrimas velou-lhe o olhar. E como falando para si desenhando com a bengala no tapete pequenos traços trémulos, disse-me, com uma ironia em que procurou pôr altivez, mas em que apenas havia o fel de uma mágoa intraduzível: "Sou um criminoso político, meu amigo..." Quis consolá-lo e, para o fazer, lembrei-me de lisonjear o sentimento de popularidade e de justiça, que eu sabia ser a nota mais viva da sua velha alma de tribuno. "O povo que o estimou, continua, a despeito de tudo a amá-lo. Esteja certo disso. Ainda há pouco num teatro, o público, ao vê-lo caricaturado em cena, aliás sem o menor intuito desprimoroso, se levantou, numa manifestação de protesto e simpatia ao seu nome." E Augusto de Castro termina contando que, à saída de casa do primeiro Presidente da primeira República portuguesa, depois de comprar o jornal e ler que alguém se referia a Arriaga como "renegado e traidor", pensou: "Nunca, como nessa tarde, a política me pareceu uma tão cruel e sinistra coisa" (citado por João Medina, "História Contemporânea de Portugal", p. 257 e 258).

É com este tipo de Homem que a Rpública tem de ser feita. Não com os outros exemplos de pessoas que dei...

1 comentário:

  1. Infelizmente é assim...
    A política continua a ser um "clube" para egoístas e egocentricos...

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