sexta-feira, 7 de maio de 2010

Acerca da visita de um Papa ( 1)



Na passada 3ª feira, por razões que nada têm a ver com o título deste "post", tive uma conversa , profissional, com um sacerdote, ligado a uma ordem religiosa como raízes profundas, até, no surgimento da Europa de hoje : os Beneditinos.
"En passant", falámos dos últimos Papas que conheci (João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e, agora, o Papa Ratzinger).
Lá fiz as minhas reflexões e opinei, e o meu interlocutor disse-me : "Dr. Abel, devia escrever sobre essas coisas e partilhá-las com a sociedade !".
Eu respondi-lhe : "Sabe, já o comecei a fazer há 18 anos...".
É verdade...
Redescobri, por exemplo, num trabalho recente de organização de "papéis", resultantes de coisas que, há mais de 20 anos, escrevi em jornais, rascunhei para crónicas em rádios locais ou artigos para revistas da minha área académica, um texto, datado do tempo da segundo visita de João Paulo II, em Maio de 1991, a Portugal. Era um rascunho de uma crónica lida, ao microfone da Rádio Lezíria, de Vila franca de Xira, que cobria a área onde eu morava (Arruda dos Vinhos) e onde mantive, durante 2 anos, uma crónica semanal.
Transcrevo esse rascunho pois, uma vez mais, hoje diria o mesmo ...

"João Paulo II vem, de novo, a Portugal.
Faço tenção de o ir ver, ao Estádio do Restelo.
Mas prefiro imaginar uma situação, bem mais agradável.
Imagino que me cruzava com João Paulo II, num qualquer corredor e que podia "meter conversa" com ele.
Dir-lhe-ia, antes de mais, "Bom dia, Santidade, bem vindo a esta nossa parte do seu Mundo".
Depois, perguntar-lhe-ia, sem medo :
Sabes, Santidade, queria colocar-te alguma perguntas que, não pondo em causa a minha fé, me ajudariam a perceber até que ponto és ou não uma mudança nesta Igreja Católica, ou um simples show-man.
Sabes, Santidade, o teu antecessor do sécúlo I, S. Pedro, foi tentado a sair de Roma, pois os cristão, vítimas do louco Imperador Nero, era martirizados às centenas.
Ora, parece que voltou para trás, para morrer ao lado dos seus, pois, numa visão, viu Jesus a entrar em Roma, precisamente, para morrer ao lado dos cristãos, dado que Pedro fugia (cena eternizada no filme "Quo Vadis?").
Pergunto-te, Santidade, estarias disposto, tu, a dar a vida pela tua fé, ao lado daqueles de lideras, numa qualquer moderna "Roma", perante um hodierno Nero, numa versão moderna do Coliseu ou do monte Vaticano (onde os crucificavam) ?
É que um dos teus antecessores, João XXIII, disse, sempre, que a opção da Igreja é pelos pobres, pelos desprovidos de direitos, pelos que começam a duvidar dos valores do amor recíproco e esses não podem ser abandonados. É por esse que somos chamados a viver e morrer. Em que fase estás, Santidade, desse desafio ?
Dir-lhe-ia, ainda :
Sabes, Santidade, tenho encontrado, fora da Igreja Católica, gente que, de verdade, tem dado a vida por aquilo em que acredita, tem perdido carreiras brilhantes, tem, no fundo, deixado tudo, para seguir utopias igualitárias que, na sua prática, quase tocam os preceitos sociais cristãos. Só que não seguem a tua Igreja. Mas, Santidade, não havendo já as fogueiras da Inquisição, tu pareces não os ouvir, nem os valorizar, até parece existir medo em relação a eles, por vezes até desprezas os seus contributos, pois não são "católicos".
Pergunto-te, Santidade : Quem te rodeia deixou tudo para segui-Lo ? Aqueles de quem te circundam não morerriam de medo ou de falta de fé perante um leão do Coliseu de Roma, no século I ? Seriam leais e resistiriam à tortura para não revelarem onde se reuniam os outros crentes, como então acontecia ? Partilhariam aquelas riquezas que vocês dizem ser de toda a Humanidade, mas da qual usufruem quase em exclusivo ?
É que nada disso se parece compaginar com os ricos corredores do Vaticano, como os palacetes das Nunciaturas, com as Casas Episcopais, com a convivência entre o poder político e o poder religioso , hoje já universal. Sei que passou muito tempo ...
Gostaria de te ouvir dizer, Santidade, quando te vir no Estádio do Restelo, que como Seu representante, queres que Deus volte, através dos seus crentes, ao Mundo e que fecunde, de novo, esta Terra, para que quem O representa e segue não O confunda com privilégios, poder ou dinheiro, deixem de O trair através do modo como vivem, enfim, gostaria que gritasses que DEUS É UMA REVOLUÇÃO, porque escolhe-LO significa aderir a um projecto de sociedade fraterna, livre e igual, de forma radical."
Arruda dos Vinhos, Maio de 1991

Afastei-me, progressivamente, da Igreja Católica e, hoje, porque não aceito a dicotomia hipócrita "praticante" e não praticante" (ou se é e se aceita o que é ser, ou não se é) não me posso considerar católico, até porque como "recasado", nem me posso aproximar da mesa eucarística. Essa regra existe, logo, exclui-me e tenho de o aceitar.
Contudo, porque não renego a fé (e, sobretudo, a sua prática socialquotidiana) que aprendi, apesar de tudo, na Igreja onde cresci, mesmo não tendo a menor simpatia por Ratzinger, conto estar na Missa do Porto, na 6ª feira dia 14, que mais não seja para ver o "povo em movimento"...

2 comentários:

  1. "vem e segue-me.."

    E serás:
    Luz para os homens,
    e serás:
    como o sal da terra
    num mundo deserto...
    haverá uma nova estrada...
    e por essa estrada vai!
    vai!.. e não voltes atrás...

    e vai, como Filho predilecto, para a casa do Pai.

    Saudades da tua
    filhota
    keinha

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  2. Olá filhota

    Sabes que o teu pai não volta atrás. E essa canção do Gen Rosso, que transcreves, e que descarreguei do "You Tube", isnpira-me quando sinto fragilidade. Porque eu deixo tudo para seguir aquilo em que acredito.
    Fico orgulhoso de ter uma filha que, nos seus SMS e nos comentários a estes posts, mostra que está em comunhão comigo, apesar das vezes em que ambos falhámos ou eu, como "mais velho" não soube gerir as coisas.
    Mas o apelo é inquestionável "Vem e segue-me...".
    E sabes como isso marca a vida do pai !.
    Nota : vou escrever mais 3 textos antes da vinda do Papa Ratzinger.
    Espero as tuas reflexões.

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