domingo, 9 de maio de 2010

Acerca da visita de um Papa (2)




O primeiro Papa que foi meu contemporâneo foi João XXIII, no início dos anos 60 do século XX. Confesso, que da "superioridade" dos meus 4 anos de idade, "papa" era "comida", logo, quando via uma imagem de João XXIII, chamava-lhe o "senhor comidas".

Mais tarde, percebi que foi eleito, dada a sua avançada idade, como um Papa "de transição", esperando-se que tivesse um papado curto e pacífico, enquanto as várias tendências católicas se organizavam para ter um Papa " á altura".

João XXIII desiludiu-os, nessa perspectiva de uma passagem rápida pela cátedra de S. Pedro. Não só governou mais anos que o previsto, como teve a coragem de iniciar o processo do Concílio Vaticano II, verdadeira refundação, também, da filosofia e doutrina social católica, concretizada pelo seu sucessor Paulo VI.


O Papa João (o meu "senhor comidas") tinha sido Cardeal e Bispo de Veneza. Dessa cidade sempre vieram Papas inovadores, como foi, anos depois, João Paulo I, apesar do seu curto papado.


Foram Cardeais/Bispos muito próximos dos problemas pessoais e sociais reais , que apoiavam aqueles que os viviam, para que eles mesmos os resolvessem, mas sem perder, nunca, a luz da Fé dos cristãos. É que existia uma maneira cristã de, por exemplo, ver as questões laborais e sindicais, a vida política, etc.

Eis um exemplo:


Há anos (talvez 5), vi um excelente filme (ou série), sobre João XXIII, onde o Papa era interpretado por Dany de Vito, julgo que no (agora) indisponível canal Hallmark, da então CaboVisão.

Retenho uma cena, que já tinha lido numa sua biografia.

João XXIII vai visitar uma prisão em Roma. Tudo é preparado ao milímetro : a segurança, sobretudo o respeito dos presos por tão ilustre visita. Contudo, quando o Papa entra no corredor onde, da varanda de acesso às celas, os presidiários vão assistir à cerimónia, há um preso que não tira o chapéu, em respeito ao visitante e logo é admoestado, com uma bastonada, pelo guarda prisional.

O Papa João intervém. Chama o preso e diz-lhe, de facto, aquilo que pode mudar a vida de alguém : convida o prisioneiro a falar e ele diz-lhe que estava ali por homicídio e passaria ali o resto da vida, pelo que nada lhe interessava, já tinha perdido tudo; aliás, o homicídio teria sido involuntário e, porque não tinha dinheiro para um bom advogado, fora condenado a pesada pena. Numa linguagem simples, o Papa diz-lhe que há 2000 anos outro "bandido", aos olhos da sociedade (Jesus) fora injustamente condenado, crucificado, perdera tudo, mas ressuscitara, mas, antes, perdoara quem o condenara; o Papa João diz, ainda, que também se sente "prisioneiro", no Vaticano, pois não pode ir á rua sozinho, beber uma "grappa", ou ao teatro. Diz-lhe que o espírito é livre e é isso que importa. Mas, sobretudo, que o arrependimento só funciona se, acto contínuo, perdoarmos a quem nos prejudicou.

Semanas depois, o Papa João solicitou, ao Tribunal, um perdão de pena para aquele prisioneiro. Contudo, o preso não o aceitou : depois da visita do Papa, tinha descoberto que podia ser mais útil na prisão, pois, como electricista de profissão, tinha, de sua iniciativa, começado a ensinar o ofício a outros reclusos. E mais : disse ao Papa que, se o Pontífice se sentia "preso" no Vaticano, devido a ter de servir a Igreja, ele era solidário com ele e assumia o seu papel de "professor de electricidade" , como forma de "servir", de reabilitar os outro presidiários. Tinham, pois, ambos, uma "missão" de redenção dos outros, muito semelhante...

É para "missões" assim que um Papa deve convocar os seus seguidores : para mudar o Mundo, mas através de pequenos actos de amor bem pessoalizados e localizados, sendo solidários, através da transmissão das nossas capacidades a outros, promovendo, sobretudo, a inclusão de todos.

Como fez o meu "senhor comidas", naquela prisão.

O Papa João XIII, curiosamente, não está sepultado na cripta onde estão muitos dos outros Papas, como Paulo VI ou João Paulo II; estive em Roma, na Basílica de S. Pedro, em Janeiro de 2009, nesse local e procurei o seu túmulo. Não o encontrei. Soube, depois, que está sepultado numa capela lateral da Basílica. Não sei se por opção sua, mas se o foi, mesmo na morte foi diferente : nunca viveu como "Príncipe da Igereja" e como tal não quiz ser considerado.

2 comentários:

  1. Também eu me lembro do "senhor comidas"! E ao ler o que escreveste, enquanto vejo em Fátima outro "senhor comidas" e a solista canta "Panis Angelicus" não consigo deixar de, na melhor tradição de filho do nosso Pai, me comover e chorar. É alegria e tristeza. Alegria por acreditar em Deus; tristeza por continuar a ter uma Fé tão débil.

    O teu irmão Zé Maria

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  2. Transmissão de pensamentos...
    também estou a assistir às cerimónias e tive o mesmo sentimento que o tio Zé Maria...mas as palavras serenas deste Papa, o seu olhar atento e o profundo recolhimento dão-nos ânimo!
    ajuda-nos a avançar na fé apesar das contrariedades do mundo.
    keinha

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