segunda-feira, 13 de junho de 2011

Crónicas do Marco (I)- Era uma vez um Concelho...




Transcrevo uma citação magnífica, de Eduardo Prado Coelho, feita no blog "marcoensecomonos.blogspot.com" :

"O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país:
-Onde a falta de pontualidade é um hábito;
-Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano;
-Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois reclamam do governo por não limpar os esgotos;
-Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros;
-Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica;
-Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.
-Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar;
-Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão;
-Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes."


Agora, deixem-me ser imaginativo e inventar uma história, infelizmente real:
Era uma vez uma sede de um Concelho, grande mas rural, chamada Terras da Servidão; por facilidade, chamavam-lhe, só, Servidão, tal como a Terras do Bouro, no Minho, chamam, simplesmente, Bouro.
Assim, em Servidão, por razões perdidas na história recente e futura, viviam pessoas marcadas, por aquilo que Prado Coelho dizia, mas há muitas gerações : a vigarice, o clientelismo, o oportunismo, o tráfico de influências. Tudo isto era tão comum, tão habitual, que era considrado quase legítimo, quase indispensável, enfim, quase legal, um sinónimo de sucesso. Terras de Servidão tinha, assim, um estatuto próprio, há muito, a que poderíamos chamar, usando o nome da terra, o "Estatuto de Servidão".
Esse "estatuto" foi, pela sua prática, ainda mais vulgarizado e disseminado por um anterior (e quase eterno) Presidente de Câmara, que especializou quem vivia com esse "Estatuto de servidão" a pensar que, nas Terras de Servidão, não havia lei, a não ser as ordens do Senhor Presidente, neste caso, gestor do tal informal "Estatuto de Servidão".
Sucedeu-lhe um outro Presidente, este mais educado, mais polido mais culto, mas igualmente respeitador do "Estatuto" referido : nenhuma vigarice, mas muito, imenso, clientelismo, oportunismo quanto baste, tráfico de influências suficiente ; ele foi Chefes de Departamento de áreas onde nunca trabalharam, consultores que nunca dão consultas, "girls" arrogantes a quem não se conhece qualquer mérito, nas áreas em que trabalham, mas, sobretudo, uma maquiavélica relação com as instituições locais, que o Presidente criava ou destruía, conforme eram ou não fiéis ao informal "Estatuto de Servidão".

Terras de Servidão aparentemente prosperava, porque o "estatuto" funcionava.

Depois apareceram aqueles que contestam o tal informal "estatuto de Servidão"; cedo os poderes de Terras de Servidão, os isolam e tentam que eles se desmotivem e, de preferência, desapareçam. É que, mesmo os agentes locais ou nacionais, mesmo não concordando com o informal "estatuto de Servidão", conseguem, aravés dos seus representantes, fazer esse trabalho neutralizador.
Terras de Servidão recebe bem, não é xenófoba, mas ai de que desrespeite o tal informal "estatuto de Servidão", visível nas ruas, no jornal e na rádio locais, nas conversas de café, nos diálogos de rua.
Em Terras de Servidão, reina o tal estatuto.
As crianças e jovens cresceram com ele, os idosos garantem a sua eficácia, as instituições edificam-se sobre ele.

Mas como rasgar o tal "estatuto de Servidão" ?
Só tendo a coragem de não o cumprir e de expôr, publicamente, os "criminosos" que, á custa dele, têm vivido, durante gerações.

Mesmo que isso dure tantas outras gerações...

Sabem onde fica Terras de Servidão ? Algures em muitos locais. Mas eu conheço um, onde vivo oficialmente e por afeição (passo lá pouco tempo, precisamente por obra do dito "Estatuto"), onde um afluente encontra um grande rio, numa paisagem que, em tudo, convida á glória e á liberdade, e nunca á servidão: Marco de Canaveses.



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