Porque ninguém é "profeta na sua Terra", aqui entendida como o local onde se vive e trabalha, foi em Évora (onde, por sinal nasci, mas, há muito, não é a minha terra), recentemente que fiz esta reflexão sobre a experiência dos contratos locais de desenvolvimento social (CLDS), num encontro de profissionais locais envolvidos nessa estratégia, que partilho com quem gosta do tema.
A SUSTENTABILIDADE POLÍTICA E FINANCEIRA DOS CONTRATOS LOCAIS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL , NUM AMBIENTE DE MUDANÇA
Abel Maria Simões Ribeiro
Sociólogo; Consultor em Economia Social
abelsimoesribeiro@gmail.com
O objectivo desta reflexão é tentar ver os CLDS, como estratégia actual, á luz das mudanças que, desde meados da década de 90 do século XX, as tutelas e algumas organizações têm tentado introduzir, quer no modo como as instituições sem fins lucrativos encaram a sociedade envolvente, quer sobre a representação que esta tem sobre aquela; assim, poderemos apontar, depois, de forma aligeirada, algumas ameaças e oportunidades que esta experiência de “contratualização” proporciona, assim como reflectir sobre a sua sustentabilidade política e financeira.
1. A “Estratégia de Lisboa” e o espírito dos CLDS, como verdadeira sustentação política
Em 2000, durante uma das Presidências Portuguesas da União Europeia, foi delineada a chamada “Estratégia de Lisboa”, que se consubstanciou no chamado “Triângulo de Lisboa”, com três vértices, sintetizado na afirmação sobre a Europa que se desejava : com cidadãos com cada vez mais qualificações, cada vez a dominarem melhor as novas tecnologias emergentes, cada vez socialmente mais incluídos.
Define, ainda, que as políticas (económicas, sociais, etc.) relacionadas com cada um desses vértices, devem seguir um “método aberto de coordenação”, ou seja, devem envolver, de forma transversal, na sua concepção, gestão e execução, todos os 3 sectores: lucrativo, não lucrativo, sem fins lucrativos.
Mais: essas políticas deveriam ter documentos orientadores, produzidos dentro da tal metodologia aberta, que deveriam fixar objectivos comuns e definir como cada um dos 3 sectores contribuiria.
Surgiram, então os Planos Nacionais de Acção para a Inclusão (PNAI), com duração bienal.
Mais : a ideia era que esses PNAI fossem a “Bíblia” da intervenção sobre a cidadania e inclusão e que, os PDS municipais, os planos de actividades de cada instituição plasmassem as directrizes e metas do PNAI.
E que os dinheiros públicos (nacionais e comunitários) sobretudo, fossem atribuídos a quem se inserisse, com clareza, nas directivas do PNAI.
Mais. a Estratégia de Lisboa definia que, para o período de execução dos Fundos Estruturais (vulgo QREN), deveria privilegiar a figura das Estratégias de Eficiência Colectiva (EEC), ou seja, Programas “chapéu”, cujo único objectivo seria, em torno de um território ou de uma problemática, consorciar agentes dos 3 sectores em torno de uma estratégia por eles definida, estratégia essa que seria, depois, financiada pelos chamados programas operacionais : o POPH, o POCompete, o POVT.
O CLDS, embora não tenha tido honras de EEC, foi considerado uma “estratégia” e a Portaria que o cria plasma essa vontade.
Ou seja, contratualizar, entre os actores dos 3 sectores, uma estratégia, definir as suas acções, procurar as fontes de financiamento.
Corresponde isto á realidade?
Infelizmente não. Esta lógica consorcial surgiu já APÓS estarem, no terreno, os vários Programas Operacionais.
Mas a sustentabilidade política passaria por aqui: assumir esta estrutura de hierarquia de planeamento, numa primeira análise.
2. O CLDS enquanto esperança na lógica consorcial
A estratégia CLDS é definida, na portaria que a cria, como “filha” das fragilidades detectadas nas estratégias definidas nos PNAI.
Mas, de facto, quantos de nós, que andamos na Acção Social, leram os PNAI que já existiram, os usam como linha de orientação, os referem, que seja, nas suas candidaturas ?
A estratégia CLDS é definida, na Portaria que a cria, como uma oportunidade de, em consórcio, mobilizar os recursos da comunidade para encarar, de modo organizado, os problemas do emprego e da qualificação, da intervenção familiar e parental, capacitação institucional, acesso a novas tecnologias.
Quando foi divulgado, em 2007, a estratégia CLDS foi apresentada como um modo de comprometer, verdadeiramente (daí ser um “contrato”), as instituições, em torno da abordagem dessas questões.
Falava, inclusive, em articulação e integração de acções complementares às propostas pelas instituições Coordenadoras, inclusíveis na estratégia e financiadas por outros Programas.
Tenho dúvidas que esse seja o entendimento que, em muitos locais, se faz do CLDS.
De quem será a culpa de todo este entendimento enviesado das coisas, que prejudica a dita sustentabilidade política ?
Antes de mais do discurso que as instituições sem fins lucrativos fazem de si mesma e da representação que os poderes tutelares têm das mesmas.
De que serve, de facto, falar de estratégia ou de um contrato, quando as “corporações” (CNIS, União das Misericórdias, União das Mutualidades, Cáritas Portuguesa, etc) que congregam essas instituições são as primeiras a ter um discurso e uma prática “de mão estendida” (e às vezes, de joelhos), perante as tutelas, em vez de se afirmarem como um sector de actividade (o terceiro sector, a “economia social”), que tem características próprias, mas que tem um peso real na sociedade e é tão digno como os outros? De que serve falar de planear, articular e integrar acções, quando a lógica das instituições é “cada uma por si” e “pedir” o mais possível, como “esmola” ? O que dizer do eterno discurso de que “substituímos o Estado nas sua obrigações”, quando deveriam ter orgulho em dizer que fazem o que o Estado e o Mercado também fazem, mas numa perspectiva democrática, solidária, de participação, logo, economicamente mais concorrencial, porque mais barata ?
Mas, as tutelas também não são inocentes.
3 . Detenhamos-nos na sustentabilidade financeira
A primeira grande “traição” das tutelas foi não respeitar, na articulação dos fundos estruturais, o tal princípio dos “programas chapéu”. Mais uma vez, IEFP, ISSS, CCDR, ficaram cada um como o seu “queijo”, não partilhando o modo como o distribuir.
Existem exemplos um pouco chocantes, mesmo relacionados com os CLDS, que me escuso de referir. Menciono, só, o facto, por exemplo, da gestão do POPH (mas podia ser do ESCOLHAS) não estar a minimamente, valorizar os projectos apresentados, que mencionam ser complementares á estratégia do CLDS. Mais, os técnicos que fazem a análise vislumbram sobre-financiamentos onde nem sequer existem !
Contudo, continuo a defender que os CLDS são uma oportunidade única de “reabilitação” da Economia Social. Desde que quem se assumam como tal.
Desde que o promotor (Câmara) se assuma com tal e, nomeadamente, através da Rede Social, motive e mobilize parceiros e respeite a autonomia da (s) entidade (s) Coordenadora (s).
Depois, urge que a(s) entidade(s) Coordenadora(s) percebam que têm em mãos, como o CLDS, uma estratégia, e não mais um simples e meritório “projecto” ….
O “tipo ideal” (vénia ao velho Pai da Sociologia Max Weber) de CLDS seria, por exemplo, aquele onde as entidades Coordenadoras, em articulação com a entidade promotora, mormente a Rede Social, conseguem que as entidades da economia social comecem a ligar importância ao Plano de Desenvolvimento Social, “inscrevam” nele os seus planos de actividades e, sobretudo, articulem as acções entre si, rentabilizando recursos. Eis um “contrato” real.
Depois, estabelecer o “espírito” do contrato a todos os outros sectores, incluindo aos serviços públicos”: porque andamos quase todos a fazer o mesmo, ou seja, exemplificando, atender utentes que, ciclicamente, e repetidamente, expõem os mesmos assuntos à Caritas, ao NLI do RSI, ao Centro de Emprego, etc? Porque não “contratualizar”, entre todos os intervenientes, públicos e solidários, uma economia de esforços, criando figuras novas, tiradas de outros ambientes, como o “Gestor do Utente”, único que o atende e encaminha ou, mesmo, acompanha, mas que fica como sua referência para ser contactado por todos os serviços envolvidos e responde pelo seu utente?
E “contratualizar”, com os privados, os tais que não têm medo de dizer que buscam o lucro ou que precisam de ganhar dinheiro, serviços que eles prestam melhores do que nós, mas em ambiente consorcial, ou seja, para o vasto conjunto dos outorgantes do vasto “contrato” (assessoria jurídica, contabilística, na procura de fontes de financiamento? Não haverá jovens licenciados, desempregados qualificados, disponíveis para desafios deste tipo, recorrendo, por exemplo, ás políticas de emprego tipo “Emprego 2010”) ?
Os Contrato Locais de Desenvolvimento Social constituem uma esperança nesta nova filosofia de planeamento estratégico.
A Caritas Arquidiocesana de Évora, pelo seu vasto território, pode fazer do CLDS (que não o abarca todo) uma experiência piloto da contratualização, mais global, que, pode fazer com a autoridade moral que tem, com todas as instituições sociais que tutela e, depois, com toda a sociedade envolvente.
A SUSTENTABILIDADE POLÍTICA E FINANCEIRA DOS CONTRATOS LOCAIS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL , NUM AMBIENTE DE MUDANÇA
Abel Maria Simões Ribeiro
Sociólogo; Consultor em Economia Social
abelsimoesribeiro@gmail.com
O objectivo desta reflexão é tentar ver os CLDS, como estratégia actual, á luz das mudanças que, desde meados da década de 90 do século XX, as tutelas e algumas organizações têm tentado introduzir, quer no modo como as instituições sem fins lucrativos encaram a sociedade envolvente, quer sobre a representação que esta tem sobre aquela; assim, poderemos apontar, depois, de forma aligeirada, algumas ameaças e oportunidades que esta experiência de “contratualização” proporciona, assim como reflectir sobre a sua sustentabilidade política e financeira.
1. A “Estratégia de Lisboa” e o espírito dos CLDS, como verdadeira sustentação política
Em 2000, durante uma das Presidências Portuguesas da União Europeia, foi delineada a chamada “Estratégia de Lisboa”, que se consubstanciou no chamado “Triângulo de Lisboa”, com três vértices, sintetizado na afirmação sobre a Europa que se desejava : com cidadãos com cada vez mais qualificações, cada vez a dominarem melhor as novas tecnologias emergentes, cada vez socialmente mais incluídos.
Define, ainda, que as políticas (económicas, sociais, etc.) relacionadas com cada um desses vértices, devem seguir um “método aberto de coordenação”, ou seja, devem envolver, de forma transversal, na sua concepção, gestão e execução, todos os 3 sectores: lucrativo, não lucrativo, sem fins lucrativos.
Mais: essas políticas deveriam ter documentos orientadores, produzidos dentro da tal metodologia aberta, que deveriam fixar objectivos comuns e definir como cada um dos 3 sectores contribuiria.
Surgiram, então os Planos Nacionais de Acção para a Inclusão (PNAI), com duração bienal.
Mais : a ideia era que esses PNAI fossem a “Bíblia” da intervenção sobre a cidadania e inclusão e que, os PDS municipais, os planos de actividades de cada instituição plasmassem as directrizes e metas do PNAI.
E que os dinheiros públicos (nacionais e comunitários) sobretudo, fossem atribuídos a quem se inserisse, com clareza, nas directivas do PNAI.
Mais. a Estratégia de Lisboa definia que, para o período de execução dos Fundos Estruturais (vulgo QREN), deveria privilegiar a figura das Estratégias de Eficiência Colectiva (EEC), ou seja, Programas “chapéu”, cujo único objectivo seria, em torno de um território ou de uma problemática, consorciar agentes dos 3 sectores em torno de uma estratégia por eles definida, estratégia essa que seria, depois, financiada pelos chamados programas operacionais : o POPH, o POCompete, o POVT.
O CLDS, embora não tenha tido honras de EEC, foi considerado uma “estratégia” e a Portaria que o cria plasma essa vontade.
Ou seja, contratualizar, entre os actores dos 3 sectores, uma estratégia, definir as suas acções, procurar as fontes de financiamento.
Corresponde isto á realidade?
Infelizmente não. Esta lógica consorcial surgiu já APÓS estarem, no terreno, os vários Programas Operacionais.
Mas a sustentabilidade política passaria por aqui: assumir esta estrutura de hierarquia de planeamento, numa primeira análise.
2. O CLDS enquanto esperança na lógica consorcial
A estratégia CLDS é definida, na portaria que a cria, como “filha” das fragilidades detectadas nas estratégias definidas nos PNAI.
Mas, de facto, quantos de nós, que andamos na Acção Social, leram os PNAI que já existiram, os usam como linha de orientação, os referem, que seja, nas suas candidaturas ?
A estratégia CLDS é definida, na Portaria que a cria, como uma oportunidade de, em consórcio, mobilizar os recursos da comunidade para encarar, de modo organizado, os problemas do emprego e da qualificação, da intervenção familiar e parental, capacitação institucional, acesso a novas tecnologias.
Quando foi divulgado, em 2007, a estratégia CLDS foi apresentada como um modo de comprometer, verdadeiramente (daí ser um “contrato”), as instituições, em torno da abordagem dessas questões.
Falava, inclusive, em articulação e integração de acções complementares às propostas pelas instituições Coordenadoras, inclusíveis na estratégia e financiadas por outros Programas.
Tenho dúvidas que esse seja o entendimento que, em muitos locais, se faz do CLDS.
De quem será a culpa de todo este entendimento enviesado das coisas, que prejudica a dita sustentabilidade política ?
Antes de mais do discurso que as instituições sem fins lucrativos fazem de si mesma e da representação que os poderes tutelares têm das mesmas.
De que serve, de facto, falar de estratégia ou de um contrato, quando as “corporações” (CNIS, União das Misericórdias, União das Mutualidades, Cáritas Portuguesa, etc) que congregam essas instituições são as primeiras a ter um discurso e uma prática “de mão estendida” (e às vezes, de joelhos), perante as tutelas, em vez de se afirmarem como um sector de actividade (o terceiro sector, a “economia social”), que tem características próprias, mas que tem um peso real na sociedade e é tão digno como os outros? De que serve falar de planear, articular e integrar acções, quando a lógica das instituições é “cada uma por si” e “pedir” o mais possível, como “esmola” ? O que dizer do eterno discurso de que “substituímos o Estado nas sua obrigações”, quando deveriam ter orgulho em dizer que fazem o que o Estado e o Mercado também fazem, mas numa perspectiva democrática, solidária, de participação, logo, economicamente mais concorrencial, porque mais barata ?
Mas, as tutelas também não são inocentes.
3 . Detenhamos-nos na sustentabilidade financeira
A primeira grande “traição” das tutelas foi não respeitar, na articulação dos fundos estruturais, o tal princípio dos “programas chapéu”. Mais uma vez, IEFP, ISSS, CCDR, ficaram cada um como o seu “queijo”, não partilhando o modo como o distribuir.
Existem exemplos um pouco chocantes, mesmo relacionados com os CLDS, que me escuso de referir. Menciono, só, o facto, por exemplo, da gestão do POPH (mas podia ser do ESCOLHAS) não estar a minimamente, valorizar os projectos apresentados, que mencionam ser complementares á estratégia do CLDS. Mais, os técnicos que fazem a análise vislumbram sobre-financiamentos onde nem sequer existem !
Contudo, continuo a defender que os CLDS são uma oportunidade única de “reabilitação” da Economia Social. Desde que quem se assumam como tal.
Desde que o promotor (Câmara) se assuma com tal e, nomeadamente, através da Rede Social, motive e mobilize parceiros e respeite a autonomia da (s) entidade (s) Coordenadora (s).
Depois, urge que a(s) entidade(s) Coordenadora(s) percebam que têm em mãos, como o CLDS, uma estratégia, e não mais um simples e meritório “projecto” ….
O “tipo ideal” (vénia ao velho Pai da Sociologia Max Weber) de CLDS seria, por exemplo, aquele onde as entidades Coordenadoras, em articulação com a entidade promotora, mormente a Rede Social, conseguem que as entidades da economia social comecem a ligar importância ao Plano de Desenvolvimento Social, “inscrevam” nele os seus planos de actividades e, sobretudo, articulem as acções entre si, rentabilizando recursos. Eis um “contrato” real.
Depois, estabelecer o “espírito” do contrato a todos os outros sectores, incluindo aos serviços públicos”: porque andamos quase todos a fazer o mesmo, ou seja, exemplificando, atender utentes que, ciclicamente, e repetidamente, expõem os mesmos assuntos à Caritas, ao NLI do RSI, ao Centro de Emprego, etc? Porque não “contratualizar”, entre todos os intervenientes, públicos e solidários, uma economia de esforços, criando figuras novas, tiradas de outros ambientes, como o “Gestor do Utente”, único que o atende e encaminha ou, mesmo, acompanha, mas que fica como sua referência para ser contactado por todos os serviços envolvidos e responde pelo seu utente?
E “contratualizar”, com os privados, os tais que não têm medo de dizer que buscam o lucro ou que precisam de ganhar dinheiro, serviços que eles prestam melhores do que nós, mas em ambiente consorcial, ou seja, para o vasto conjunto dos outorgantes do vasto “contrato” (assessoria jurídica, contabilística, na procura de fontes de financiamento? Não haverá jovens licenciados, desempregados qualificados, disponíveis para desafios deste tipo, recorrendo, por exemplo, ás políticas de emprego tipo “Emprego 2010”) ?
Os Contrato Locais de Desenvolvimento Social constituem uma esperança nesta nova filosofia de planeamento estratégico.
A Caritas Arquidiocesana de Évora, pelo seu vasto território, pode fazer do CLDS (que não o abarca todo) uma experiência piloto da contratualização, mais global, que, pode fazer com a autoridade moral que tem, com todas as instituições sociais que tutela e, depois, com toda a sociedade envolvente.
Assim o consiga. Não tenho dúvidas que, adaptando o que diz uma das figuras míticas deste tempo, “Yes, you can !”.
Évora, 23 de Março de 2010
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