sexta-feira, 19 de março de 2010

Porque há um "Dia do Pai" e um PAI para esse dia..



Sou do tempo em que, na Igreja, comprávamos pagelas para dar ao nosso Pai, neste dia, que, de sua origem, se chama de "S. José Operário".
Hoje quero homenagear, neste blog, que, repito, é um diário pessoal que partilho com quem o quer ler, o meu Pai.

Quero homenagear o cidadão Abel Martins Travessa Ribeiro, nascido em 1920, filho de um Alfaiate e de uma Costureira, que, durante muitos anos, viu, na sua certidão de nascimento, figurar como "Filho de pai incógnito", até que, por fim, quando o meu Avô pode casar de novo, passou a ser filho legítimo.

Quero homenageá-lo, porque, em 1939, com 19 anos, após ter sido brilhante aluno do Liceu de Évora, foi, sem meios alguns, estudar para Lisboa, em "Económicas", onde, só conclui o primeiro ano, mas de onde trouxe, na memória, a paixão pela Matemática pura, que aprendeu com o Doutor Bento de Jesus Caraça, ilustre anti-fascista e grande promotor da educação popular, mormente através dos livros da editora "Cosmos", que o meu Pai coleccionou.
Só conclui o 1º ano por uma razão simples : falta de dinheiro. Tinha um dilema diário : as aulas eram no centro de Lisboa e ele estava hospedado na Amadora, em casa de um Tio e das duas uma, ou gastava dinheiro no eléctrico e ia para a Amadora, ou comprava uma banana, uma sandes de queijo e almoçava.
Nesse ano, começou a 2ª Guerra Mundial e o jovem Abel Martins Ribeiro volta a casa, pois com racionamentos, um Pai doente e já pouco capaz de trabalhar, tinha de apoiar a família. Mas veio de "Económicas", com o 1º ano concluído, com 18 valores de média.

Quero homenageá-lo, por ter assumido, aos 20 anos, os encargos da casa paterna, trabalhando, de dia, no Ourivesaria e Relojoaria do seu futuro sogro e, à noite, ter iniciado a sua carreira docente, na Escola Industrial e Comercial de Évora, dando aulas no Cursos de Comércio.

Quero homenageá-lo, por ter namorado a minha Mãe, à moda antiga ("à janela"), durante 12 anos (ela era, no fundo, de "boas famílias" e ele o filho de um Alfaiate, ainda por cima republicano antigo...)e, quando casou, a ter tratado como uma princesa, para que nada lhe faltasse, trabalhando de dia e de noite.

Quero homenageá-lo, nesse labor que começava, de manhã, na Escola Comercial e Industrial, continuava, de tarde, no Seminário de Évora e Escola de Enfermagem, continuava com "explicações" em casa e acabava com aulas, nocturnas, na mesma Escola. Só que as aulas no Seminário eram gratuitas, pois ele, o meu Pai, era Católico militante e assumia que tinha de dar esse contributo á Igreja. E quantas vezes levou, ao fim de semana (para grande pânico da minha Mãe),sem aviso, seminaristas a almoçar lá em Casa, a que se seguiam idas, com eles (e comigo e com o meu irmão), ao Futebol, a ver o Lusitano de Évora, nos seus tempos brilhantes de 1.ª Divisão.

Quero homenageá-lo, porque, em 1969, com 49 anos, concluiu, finalmente, , estudando á noite, a sua Licenciatura em Economia, com 18 valores, mantendo (porque economicamente era preciso, tinha 4 filhos), todos os trabalhos que tinha. E durante o Curso, foi monitor de vários docentes. E foi convidado a fazer um Doutoramento em Espanha, mas não foi, pois não se via privado da família.

Quero homenageá-lo porque, mesmo com parcos recurso económicos, arranjou sempre maneira de, nas férias (e isso durou até aos meus 17 anos), nos mostrar, em viagens pelo País, com a sua sabedoria universalista, quase tudo o que havia, com interesse patrimonial, em Portugal. Graças a ele conheço Portugal Continental inteiro e a suas riquezas patrimoniais e etnográfica : com o meu Pai, tanto comia em restaurantes "de luxo" como em tabernas, pois, dizia ele, a educação que temos adapta-se a qualquer local, com dignidade.

Quero homenageá-lo, por ter sabido dizer não aos "poderes" que o foram querendo seduzir, mesmo com prejuízo da sua vida familiar : recusou ser "capataz" de uma Cooperativa de Latifundiários em Coruche, porque dizia, fora contratado para Administrador e não para despedir pessoas (isto em 1971); sendo Director de uma Escola (em 1973) e tendo recebido um Cartão de Membro da Acção Nacional Popular (partido único do tempo Marcelista), o devolve, dizendo que não tinha assinado nenhum proposta para se associar...; e isso nesse tempo significava riscos.

Quero homenagear o Homem que sempre se deu à comunidade, foi dirigente associativo, venerado pelos seus antigos alunos e explicandos, que encontrava pelo País todo, a quem chamava, sempre, "filhos" .

Quero homenagear um Cidadão que sempre se afirmou de "Direita", era o militante nº 3 da Secção de Évora do PSD,mas recusou ser candidato á Câmara de Évora, por reconhecer no seu Colega de Curso, Dr. Abílio Fernandes, do PCP, melhores qualidades para Autarca.
Recordo esse Homem conservador, mas de espírito político aberto, que, pela primeira e única vez, na vida, foi a uma iniciativa do PCP, quando eu fui candidato a Vereador para a Câmara de Arruda dos Vinhos e fui eleito.

Quero homenagear um Católico militante, mas que não teve dúvidas em perceber que o filho se ia divorciar e em acolher a futura esposa dele, com uma grandiosidade de alma que só os espíritos livres conseguem ter.

Quero homenagear um Homem sem preconceitos, mas com valores, que esteve comigo nos dias em que nasceram os meus filhos, que eu apoiei, também, nos maus períodos da sua vida, apoio retribuído e centuplicado, logo de seguida; que não me deixou herança alguma material (ele queria lá saber disso...), de hábitos "espartanos" (não se bebia às refeições, mas só em dias de festa), com quem eu vi Portugal ser 3º no Campeonato do Mundo de Futebol de 1966, com quem vi o o primeiro ser humano chegar à Lua...

Enfim, homenagear um Pai de quem, estranhamente, confesso não ter saudades : ele é uma presença diária, na minha vida.

4 comentários:

  1. Gostei muito desta narrativa, porque tive o pevilégio de conviver com o teu pai, que sempre me chamou de "filha". O meu carinho,amizade e admiração, por ele, será eterno...!

    ResponderEliminar
  2. Tenho a certeza que tanto o Avô Abel como a Avó Lourdes estão contentes e orgulhosos com os seus descendentes! eles nunca serão esquecidos...
    e a ti meu Pai um beijinho com muitas saudades!
    "quem é radicalmente fiel às causas pode viver nelas e nada lhe faltará, nem a si, nem aos seus"
    :) Keinha :)

    ResponderEliminar
  3. Também eu, pelos mesmos motivos, não sinto saudades dele.
    Estará sempre aqui...

    ResponderEliminar
  4. A idade ensina-nos a ver as coisas de outra forma e a valorizar o essencial... apesar de algumas imprecisões na biografia deixaste-me comovido, meu mano. Bebemos todos da mesma fonte e essa é a nossa verdadeira herança.

    ResponderEliminar