terça-feira, 21 de setembro de 2010

Porque um planeamento estratégico concelhio é possível...




Não quero correr o risco de ser narcisista e chamar a atenção para contributos que dei, noutros locais onde vivi e exerci a cidadania possível. Contudo, os vários sítios onde habitei e trabalhei ensinaram-me a que tenho, constantemente, de dar testemunho sobre como coisas que, aparentemente, são "complicadas" (e já falei do fecho de escolas ou dos subsídios a Colectividades), conseguem ter resolução fácil e barata. Desde que a cidadania seja activada e activa. E isso, "é dos livros", tarefa, também, do Poder Local. Isto para combater as ternas desculpas dos "custos", do "desinteresse" das pessoas, etc.

Falo, hoje, uma vez mais, do meu mandato com Vereador, repito, da oposiçã, numa Câmara PS, eleito nas listas da CDU, em Arruda dos Vinhos, entre 1993 e 1997. Porque quero demonstrar, precisamente, que há coisas (e causas) possíveis.

Falo de uma iniciativa de 1997, já no fim do mandato, quando já sabia que, por opção pessoal e profissional, não me iria recandidatar (tinha outros apelos, mormente em Beja, onde o ser docente no Ensino Superior e ser consultor de algumas organizações me chamavam).
Essa iniciativa foi, em Arruda dos Vinhos, as "1ª Jornadas de Desenvolvimento do Concelho".
Vamos por partes. Tudo começou, numa reunião de Câmara, em Fevereiro de 1995. Como Vereador, propus que baixasse à Assembleia Municipal a constituição de um Grupo Consultivo (já tinha proposto o das Colectividades), mas, agora, para os "assuntos económicos"; a proposta era concreta : esse grupo seria constituído por um eleito municipal de cada partido, por um elemento do executivo (fui eu, como proponente) e por representantes das corporações económicas com implantação local (associação comercial, organizações do sector da agricultura), assim como do sector sócio-educativo e associativo.


A função do "Grupo Consultivo para os Assuntos Económicos" era simples : dar pareceres ou sugerir actuações, junto dos órgãos municipais, visando o desenvolvimento do Concelho.
Esse grupo reunia uma vez por mês.
Desde logo, delineou uma tarefa, que coincidia com o fim do mandato : organizar um Fórum intitulado "Jornadas de Desenvolvimento do Concelho", com o objectivo de reunir os agentes económicos locais e com eles discutir as grandes linhas económicas e sociais para o futuro, ou seja, para o quadriénio seguinte.

Quase 13 anos depois, recordo o profundo envolvimento de todos, partidos políticos, em algo que viram como estruturante para a sua própria prática futura.
Essas "Jornadas" foram ridiculamente baratas. Já lá irei.

Mas foram pedagogicamente organizadas.


Primeiro, foi feita uma caracterização económica e social do Concelho e diagnosticadas as sua fraquezas e potencialidades (hoje chamar-lhe-íamos análise SWOT). Foi feita por mim, enquanto Vereador e com um consultor que (pasme-se !) teve uma avença mensal, durante 2 meses, de 50 contos (150 euros)...; logo, não se pagou nenhuma fortuna a Universidades ou a doutos economistas...


Em segundo, definiu-se a estrutura dessas "Jornadas" : 2 dias de reflexão (sábado e domingo), com painéis/debate sobre temas centrais e sectoriais, e grupos de trabalho por actividades económicas; de preferência, animados, não por "académicos", mas por gente do terreno, ou seja, outros agente portadores de experiências ilustrativas. Os temas dos painéis e grupos de trabalho seriam, precisamente, a agricultura, a indústri, comércio e serviços, educação e formação, acção social/cultural/desportiva.

Em terceiro, criou-se uma forma de envolver o tecido económico local, na preparação.Com coisas simples. Dou um exemplo : para cada tema central/sectorial, convidou-se um organismo e, no caso da agricultura, foram a CAP e a CNA. Ora, 3 meses antes juntaram-se, à mesa, para jantar, os representantes dessas confederações, o grupo consultivo e representantes locais das organizações de agricultores do Concelho. Definiu-se o que era importante abordar e, logo, cada um ficou encarregado de mobilizar os seus. Isto aconteceu com o comércio, com a indústria, com a educação, com a solidariedade social, com a hotelaria e outros serviços.

Chegado o momento das Jornadas (recordo, eram 2 dias, num Concelho com 12 mil habitantes em 4 freguesias), as mesmas abriram com 650 inscritos e cerca de 700 presenças (convidados, etc).
Na conclusão, sairam propostas orientadoras muito concretas, compromissos entre eleitos e agentes económicos (recordo que foi aí que se consensualizou e "amenizou", por exemplo, a questão da vida de grandes superfícies).

Reconheço que, no mandato seguinte, onde o PSD ganha a Câmara e a CDU "vende a alma ao diabo", só para ter um Vereador a tempo inteiro (curiosamente perdido 4 anos após), esta pedagogia se perdeu, por força dessas mudanças no executivo municipal. Contudo, durante anos as conclusões dessas "Jornadas" foram invocadas, como compromisso público que eram, para que determinadas decisões se tomassem, ou não...

Esta iniciativa custou quanto à Câmara ?
Porque se envolveram os agentes locais, os tais jantares de preparação, acima ditos, foram oferta dos restaurantes onde ocorreram; os materiais de divulgação e os consumíveis de escritório, foram oferta das papelarias ou gráficas com presença no Concelho; o local do Fórum foi o Salão dos Bombeiros Voluntários, disponibilizado gratuitamente; o "catering" das 3 refeições dos inscritos (os tais cerca de 600) foi contratado (e pago, simbolicamente) à Misericóridia e ao Externato Local, num total de 150 contos (750 euros).
Logo, fizeram-se omeletas quase sem ovos, mas, sobretudo, com os "ovos" essenciais : a participação e o envolvimento das pessoas.

Repito: os resultados eleitorais e a atitude dos autarcas eleitos depois, olvidaram, um pouco, esta dinâmica. Mas fica o exemplo. Nessa altura, não se falava ainda da "Agenda 21" ou de outras metodologias cidadãs agora conhecidas.
Mas valeu a pena e, ainda hoje, quando visito Arruda dos Vinhos (onde residem os meus filhos), existe sempre quem se lembre das ditas "Jornadas".
Ou seja, a cidadania é (sempre) possível e dá frutos.

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