sábado, 3 de setembro de 2011

Crónica do Marco(V) e, ao mesmo tempo, Crónica de Avis (VI): maneiras diferentes de estar no trabalho social...



Juntei duas crónicas num só texto, pois a questão é transversal.
Recordo o carácter quase de"Diário pessoal" que este blog tem. Que contudo partilho com quem quer ler. E desabafo aqui.
Adiante.
Ontem fui a um dos confins da Diocese de Évora, a Fronteira, pequeno Concelho do Distrito de Portalegre. Porque a divisão administrativa não coincide com a eclesiástica, Fronteira, tal como Avis, estão na alçada daqueles para quem trabalho : a Cáritas de Évora e uma Fundação, canonicamente erecta (este termo é curioso), com sede em Avis.
Fui reunir com a Misericórdia local, para organizarmos formação para os seus profissionais e voluntários, como temos vindo a fazer, um pouco por toda a Diocese. Com uma particularidade: privilegiamos fazê-la em locais ou gente que, sistematicamente, por serem demasiado do interior, escapam ao interesse das grandes empresas de formação. Nomes como Boa-Fé, Giesteira, Ciborro, Azaruja, Ervedal, Fronteira, Galveias, Aldeia Velha, Alcôrrego, nada têm a ver com grandes centros, atrativos para quem tem os "pronto a vestir" da formação.
Mais uma vez, os dirigentes dessa Misericórdia, após acordarmos o tipo de formação a realizar, fizeram a clássica pergunta : "E a Cáritas e a Fundação, em troca querem o quê ? ". Tive de responder, como sempre, "Nada, só que nos abram a porta e nos ajudem a fazer o trabalho que esperam".
Voltei a Avis, ao meu "ermitério", como lhe chamo, e tive, uma vez mais, aquele doce sabor de estar, como dizia S. Paulo, a "combater o bom combate" e a contribuir, parafraseando Abrunhosa, para "fazer aquilo que ainda não foi feito".
Não se pense, contudo que as instituições que me enquadram neste trabalho comungam, totalmente, daquilo que faço. Nem sempre. Mas, depois, até ficam felizes e satisfeitos..; vantagens de ser "free lancer"...; mas não trabalho sozinho, há um mérito colectivo: existe uma relação próxima, familiar, dos formadores com os formandos mais persistentes que, permite, um trabalho conjunto de programação e um ambiente de partilha que, em quase 35 anos de ensino, nunca vivi. E não pedimos aos formadores que nos dêem uma percentagem dos seus honorários, como "donativo forçado"...
Hoje, de manhã, fiz, em Avis, o balanço da preparação de um outro projecto, saído e dirigido, no terreno, precisamente, por um grupo de formandos : criar um Universidade Sénior. O desafio foi feito a todas as forças vivas locais e, em 21 de Maio, quem quis participou numa reunião de reflexão, onde a Câmara participou, de onde saiu um compromisso da Autarquia com a Cáritas/Fundação e um plano imediato de trabalho. Concluí, hoje, que, numa área geográfica com pouco menos de 8 mil almas, há 87 inscrições na Universidade Sénior...; curiosamente, uma das disciplinas, que não constava da ficha de inscrição, mas foi sugerida por várias pessoas, será (o nome já é nosso) "Animação e guarda de crianças". Percebe-se : a instituição "avozinha" ainda funciona e essas avós, desocupadas mas que guardam os netos, querem aprender como o fazer melhor. Confesso a minha emoção quando fiz esta constatação e fiquei feliz por isso : as pessoas acolheram o ideia da Universidade Sénior e não de um modo meramente lúdico, pois querem, até, adquirir conhecimentos para essa nobre "ocupação" de guarda netos, sobrinhos, etc.
Bom, quem me lê dirá : mas isto é em Avis e o que é que tem a ver com o Marco ou a sua região do Tâmega ?

Muito.
Explico:
Há cerca de 2 anos, uma das maiores empresas de formação da zona do Grande Porto, com sede em Rio Tinto, disse publicamente que iria mudar a sua sede para Baião e o cerimonial de assinatura do protocolo que consagra, com a CM de Baião, tal, teve honras de comunicação social.A intenção era melhor servir o Tâmega. Na mesma área opera, na formação, uma Cooperativa de desenvolvimento. Com a mesma intenção. Essa empresa e essa Cooperativa, embora com natureza e fins diferentes, são o rosto de uma mesma atitude perante a formação e agem como tal : pegam no catálogo do "pronto a vestir" da formação já formatada e lá se vende o "fato feito" a instituições ou pessoas, que em troca de poucas centenas de euros, lá aceitam "receber" a formação. Pergunto eu: Com que envolvimento, com que participação, dessas pessoas e instituições, nas decisões de gestão e organização? Com que diagnóstico de necessidades ? Com que preocupação com a inclusão social e cidadã de quem é formado ou das instituições que colaboram ? E será que nas recônditas aldeias, naquelas onde estão os "últimos dos últimos", aqueles que não têm condições pessoais e sociais para ser objecto da formação "profissional", mas, tão somente, da formação "para a vida" ou "para a cidadania", estas duas faces do mesmo "império" fazem alguma coisa ou dão alguma resposta formativa ? Não, formação para a inlusão, apesar de financiada, tem de ser feita à "medida"; dá trabalho e parece não haver "alfaiates", pois é preciso construir planos de estudo próprios, abertos, flexíveis, é os tais "últimos dos últimos são muito trabalhosos !É isso: dá trabalho.
E de pedir a tal percentagem dos honorários como donativos forçados, nem falo !
Enfim, filosofias e metodologias diferentes de trabalhar...

Mudando de assunto, no Marco, o Presidente Manuel Moreira diz que quer fazer uma Universidade Sénior. Até já tem instalações, as que eram do antigo Núcleo de Árbitros do Tâmega, por detrás do "Pingo Doce". Não sei com que suporte, se de uma Associação a criar,uma vez mais saída do seu Gabinete e por si tutelada, ou se será uma iniciativa municipal do inenarrável Gabinete Social da Autarquia, ou mais uma tarefa a distribuir, uma vez mais, a alguma IPSS fiel do "regime" local.
Uma coisa é certa : mais uma vez parece algo construído a partir do "telhado" e sem ter por detrás nenhuma preocupação de participação dos destinatários na sua definição.
Enfim, outra vez, metodologias diferentes de trabalhar...
Para bom entendedor, fico por aqui.

Só uma nota final: onde ando a trabalhar, hoje, o Poder Local sabe que eu não sou da sua cor política e que não me revejo em muitas das suas atitudes. Aqueles com tenho uma relação laboral, são de raiz católica e sabem que eu não sou, hoje, dessa família religiosa. Mas há espaço, porque se valorizam as competências e poderes de cada um, para respeitar estas diferenças e construir projectos comuns, precisamente porque as diferenças enriquecem.
Isso chama-se concertar objectivos. É difícil, por vezes doloroso, significa dar murros na mesa, ás vezes bater, sózinho, nas paredes, falar e dizer, aos outros, olhos nos olhos, coisas complicadas . Noites sem dormir, também, a fazer contas ao pouco que se ganha e ao pouco que se tem para fazer tudo isto.
Nem tudo são rosas. Mas vale a pena !
Porque tentamos (nem todos nem sempre, mas tentamos) estar centrados na causa de servir as populações e quem mais precisa.

O que é diferente de autismo técnico e político.

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