sexta-feira, 6 de novembro de 2009

50 anos de Astérix e Obélix e a morte de Levi-Strauss


Li (ou vi, dada a idade), as primeiras "pranchas" (assim se chamavam as "tiras", em episódios, semanais ou mensais, publicadas em revistas ou jornais) desses 2 heróis e da sua "irredutível" Aldeia, talvez em 1962, julgo que no "Cavaleiro Andante", revista da época.

Depois, já mais velho, o meu Pai começou a comprar os álbuns (isto lá para 1967), então em língua francesa, um pouco para estimular a aprendizagem da mesma, junto dos filhos : "Asterix, le Gaulois", "Astérix et Cleopatre", "Asterix chez les bretons", "La serpe d'or", entre outros títulos, vertidos, depois, em português, muito me ajudaram a saber, hoje, ler e escrever, quase correctamente, em francês.

Devo isso a esses 2 heróis.

Acompanhei, já nos anos 70, na revista "Tintin", as aventuras dos mesmos, já, em português.

A vida de jovem e adulto ajudou-me, depois, a perceber, os tipos sociológicos que cada um dos personagens simbolizava e um discurso, dos autores (Gosciny e Uderzo), sobre a História, mostrando que, entre outras coisas, os tiranos sempre foram e serão ridículos e viverão, sempre, rodeados de aduladores , ainda mais caricatos do que eles. Sobretudo, havia uma "perigosa" mensagem : existem "Aldeias" irredutíveis, onde a mudança entra (com, por exemplo, a bela jovem que chega, de Lutécia - hoje Paris - e conquista muitos corações), mas onde tudo é integrado e aceite, desde que acabe, como cada álbum da série, com um grande banquete de javalis. Ou seja, existe mudança, mas a identidade tem de ser respeitada...

Associo isto á memória do Antropólogo Claude Levi-Strauss, falecido há dias, quase com 101 anos, um dos pais da antropologia ocidental.
Foi uma das minha referências académicas, na minha licenciatura.

Isto porque a Antropologia, tal como é vista nos Estados Unidos, tem a ver muito com "ossos", com a "antropologia forense" que vemos nas séries "CSI", "Investigação Criminal", etc, ou seja, com explicar relações humanas através de vestígios "orgânicos".

Com Strauss devolveu-se à Antropologia a sua raiz diferenciadora em relação ás restantes Ciências Sociais : a Antropologia estuda as relações sociais, mas a partir da "cultura material", ou seja, das suas expressões materializáveis : tradições, costumes, literatura, arte, mas, também, parentesco, família, religião, poder, sobretudo através da sua simbologia material.

Por isso, as histórias de Astérix e Obélix são um vestígio da nossa "cultura material" destes 50 anos : lá estamos todos representados, materialmente, em "bonecos", como "bretões", "godos" e até "lusitanos", com os nossos tiques próprios; também os agiotas judeus, com os vícios dos banqueiros actuais; ou os piratas fracassados, por causa da "pirataria organizada" que era o Império Romano, entre outros cromos.

Ao (re)ler os primeiros álbuns, já com 50 anos, consigo ver, hoje, que tenho a mesma idade que eles, como lá se espelhava o pós-guerra, a guerra-fria, o fim do mundo colonial, mas, sobretudo, os conflitos culturais da dita Europa ocidental.

Mais do que qual "Herói da Marvel" (Batman, Super-Homem), os álbuns dos "heróis" Asterix e Obélix são um instrumento para o estudo da Antropologia da Europa do pós-guerra.
No fundo, daquilo que somos hoje. E para mim, ajuda o entendimento da irredutível "Aldeia de Astérix" (ou será de Obélix ? Ou de Panoramix ?) que, ideologicamente, continuo a ter, dentro de mim.
Parabéns a essa dupla e á sua Aldeia.




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