sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A morte de um guarda-redes...



Como benfiquista, o suicídio de Enke sensibiliza-me.

Li algumas notícias e análises, em torno do facto em geral e deste suicídio em particular.

E existirão sempre perplexidades.

Um estudo clássico, da sociologia, feito, ainda no século XIX, pelo Pai da mesma, Durkheim, fala do "suicídio altruísta", ou seja, aquele que é cometido não por desespero "puro e duro", mas porque a pessoa que o comete o faz (ou pensa que faz)para o bem dos outros. O caso clássico eram uns pequenos animais (os lémures), que, quando a sua comunidade estava com demasiados habitantes em relação aos alimentos disponíveis, em grupos de várias centenas, se precipitavam de ravinas ou entravam rios dentro, para que, ao morrerem, pudessem tornar mais viável a vida dos que ficavam.

Enke era conhecido por ser um homem solidário, envolvido, activamente, em várias acções de apoio, mormente aos sem-abrigo, às crianças abandonadas. Tinha, mesmo, recentemente adoptado um bebé, hoje com 8 meses. Na sua estada em Portugal, por mais de uma vez, como qualquer anónimo, foi visto a distribuir refeições a sem-abrigo, ao lado de membros de uma Igreja Evangélica.

Logo, era alguém, aparentemente, digamos, socialmente realizado, e, também, profissionalmente.

Contudo, pôs fim à vida.

Escreveu-se que a família e amigos o viam deprimido (havia perdido uma filha), mas a intensidade da vida desportiva, o desejo de não "perder o lugar" na sua baliza, não lhe permitiam o "luxo" de "meter baixa" para se tratar.

Vejo em Enke esta eterna e irresolúvel questão, que marca este tempo civilizacional : a incompatibilidade entre o "ser solidário", nos tempos livres, e a crueldade do mercado, onde vendemos a nossa força de trabalho.

Os que idolatram, hoje, o falecido Enke, foram, talvez, os mesmos que o vaiaram, no Domingo, por ter sofrido 2 golos...

Julgo que Enke sentiu esse drama : dava-se á comunidade, aos desprotegidos, no seu tempo livre (em vez de fazer outras actividades lúdicas ou ser presença em festas sociais), mas a mínima falha profissional era-lhe "cobrada", com crueldade, sem ter em conta o ser humano solidário que ele era. Depois, havia a perda da filha e a possibilidade de a "substituir" por uma criança adoptada, mas que ele não conseguia acompanhar, para não "perder o lugar" na baliza do Hannover.

Julgo que, para alem do seu estado depressivo, Enke deixou de poder "compaginar" todo este quadro de generosidade/"cobrança" e sentiu que, mais tarde ou mais cedo, o "dique" rompia.

Resolveu antecipar a ruptura. Pelo menos, foi ele que decidiu o momento. Pois, em nome do seu "altruísmo", não se podia deixar publicamente degradar ou admitir que, afinal, ser solidário já não dá acesso directo ao "Céu" ou ao reconhecimento, na "Terra".

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