terça-feira, 17 de novembro de 2009

Novos discursos sobre a Economia e Sociedade (I)




Na minha procura de novos discursos, centrados na solidariedade e na cidadania activa, encontrei, há tempos, a doutrina económica (e notícias da prática) da "Economia de comunhão".
Porque me parece algo exequível e revoluconário, no sentido radical (mas tranquilo) do termo, resolvo postar este texto, que me parece desafiador de reflexão.

QUAL A LÓGICA DA ECONOMIA DE COMUNHÃO (EdC)?
por Luigino Bruni( professor associado de Economia Política na Universidade de Milão-Brescia)
A economia está, hoje, diante de um dilema: ou os processos de globalização podem oferecer novas oportunidades a muitos excluídos do bem-estar; ou transformam o mundo num grande hipermercado em que a única forma de relacionamento humano é o económico, no qual tudo se transforma em mercadoria.
A EdC é uma das respostas que o Espírito está suscitando para superar esse desafio. No curso da história, os carismas foram respostas aos desafios colocados pelas grandes mudanças de épocas: lembremos as Abadias beneditinas ou os Montes da Piedade dos franciscanos na Idade Média. No debate actual – pró ou contra os mercados – a EdC segue a sua trajectória que coloca a vida e não as ideologias em primeiro plano, em diálogo as demais experiências existentes.
Quais são os pontos característicos desta experiência? Qual a sua identidade? Nesta explanação, detenho-me sobre este aspecto fundamental, para depois reflectir sobre o significado económico da “lógica das três partes”.
Amar: também na economia?
Se alguém me pedisse para expressar numa palavra o projeto da EdC, responderia: pôr a “cultura do dar e do amor” no centro da actividade económica e da empresa.
Quem conhece algo sobre a história da economia, intui logo que esta tese é revolucionária por si. Realmente, se existe um lado que a economia não entende é o amor, facilmente confundido com a filantropia e com o altruísmo, os quais pertencem a uma abordagem individualista. Por isso, podemos dizer que aquilo que os teóricos da ciência económica descartaram na EdC, tornou-se a pedra angular. Aprofundemos um pouco esta lógica.
A invenção da economia foi uma grande tentativa, talvez a mais ambiciosa da modernidade, de construir a possibilidade de vida em comum sem recorrer ao amor e às suas palavras típicas (sacrifício, dor, fragilidade). O mercado foi concebido como a possibilidade de encontrar o outro, obter dele as coisas de que precisamos, sem passar pelo sacrifício, pela dor, e pelo paradoxo do encontro com o outro. O interesse, de “vício” – como era entendido no passado – torna-se o novo mecanismo que nos permite ficarmos juntos, gozar os benefícios da comunidade, resumindo, sem arriscarmos nada do que realmente conta na vida.
Até a invenção da economia, falar de vida em comum e de comunidade, significava falar de sacrifício, de dor, e, portanto, de amor. Inclusive a esfera dos bens, ou a económica, era caracterizada pela experiência do sacrifício ou da dor. Sem o mercado, de fato, a passagem dos bens de uma pessoa para outra era necessariamente doloroso: a dor das guerras e dos assaltos, bem como a dor de me privar de uma coisa para dá-la a outro. Desta segunda forma de dor, ainda existem traços na nossa sociedade, sobretudo na doação e na arte.
A invenção da lógica de mercado (“dê-me aquilo de que preciso e lhe darei o que você quer”) é semelhante à possibilidade de me encontrar com os outros sem o amor, já que o bem realizado pela troca se torna totalmente “outro” quanto ao seu produtor, torna-se para usar uma feliz expressão de Marx, uma “mercadoria”. E das mercadorias podemos nos liberar, ou podemos adquiri-la, sem colocar em jogo as palavras “nobres” da vida em comum, e sem necessidade de gratuidade.
Portanto, historicamente a economia não reconhece o amar. E quando há algum ato de gratuidade na esfera económica, é comum ser considerado como algo extra-económico, algo que nos permitiríamos uma “tantum”, uma excepção a uma regra. Essa de base, por isto sob uma visão dualística da acção; na vida privada (por exemplo, família e amigos) há a necessidade (e como!) do amor, mas as organizações económicas podem tranquilamente deixar de fazê-lo; a lógica que move a mãe de família quando vai comprar batatas não pode ser a mesma de quando as serve à mesa aos seus familiares.
Diferentemente, a EdC propõe amar também na economia, e, por isso, reconhece que, ao mesmo tempo, está indo contracorrente e é muito difícil fazê-lo. Se observarmos a lógica do tríplice destino dos lucros, percebemos que é uma consequência levarmos a sério o amor também na esfera económica.
A lógica das “três partes”
Começamos com a parte que é reinvestida na empresa. Essa parte prova-nos que a EdC é uma proposta para a actividade económica na sua normalidade, pois ela não se contrapõe ao seu dever-ser, isto é, a actividade livre de pessoas que também podem se encontrar produzindo e comercializando.
Herdamos uma concepção de economia que sempre contrapôs o económico e o mercado à solidariedade, à reciprocidade não instrumental e ao amor. Chiara Lubich (Fundadora do Movimento dos Focolares, inspirador da EdC) , por sua vez, propõe a vida de comunhão para as empresas que se inserirem nos mercados. Trocar, produzir, trabalhar são actividades que se encontram na origem da nossa civilização. São coisas humanas e potencialmente humanizadoras, mesmo se hoje muitas vezes os mercados não o sejam. A EdC se refere a isto! Por isso é um projeto por si só ambicioso, porque não se contenta em fazer felizes as ilhas, a economia de nicho, mas aspira a uma transformação da economia, na sua normalidade, uma transformação para lembrá-la da sua vocação originária.
A parte destinada à formação cultural nos recorda que sem uma cultura nova não se faz uma economia nova. Em que sentido? A EdC vive num mercado que se direciona contrariamente à comunhão, o que leva a sacrifícios no plano dos resultados tradicionais (por exemplo, produtos e lucros). A cultura deve, portanto, fazer-nos “ver” o registro invisível do balanço e atribuir um valor intrínseco às nossas ações (por exemplo, de legalidade, de respeito e de amor para com todos) antes mesmo dos resultados materiais. É a isso que se chama cultura a qual, quando radicada em nós, se reforça com a experiência, nos permite avançar também nos momentos difíceis. E nos ensina a reconhecer a presença da Providência, que não faltará se a economia é vivida como procura do Reino dos Céus e da justiça.
Somente atribuindo um valor às ações que fazemos podemos ir adiante quando todos agem contrariamente. Por exemplo: se apenas para mim não fraudar é um valor em si, não fraudarei mesmo se eu estiver sozinho nesta postura. A tudo isto se chama valor, ética, cultura!
Finalmente, a parte destinada aos empobrecidos. Nesses últimos tempos é reforçado o fato de os empobrecidos serem o grande recurso e novidade da EdC. Eles são autores essenciais, numa relação de paridade. A presença deles no projeto permite fazer viver a experiência da liberdade dos bens também para aqueles que “têm a mais”,
os quais esses bens se tornam aqueles pães e aqueles peixes partilhados com amor, que saciam as multidões.
A experiência da pobreza que estamos vivendo na EdC nos mostra que uma pobreza vivida na comunhão com os outros pode se transformar na “irmã pobreza”, que “felizes dos pobres” é uma bem-aventurança dirigida, como dever-ser, a todos os homens, sendo a vida um caminho de liberação dos bens e da libertação total. A EdC, na sua relação com os pobres, que não são anônimos assistidos, mas irmãos “próximos”, parte da própria comunidade. Em Trento, na década de 40, quando nasceu o Movimento dos Focolares, as suas fundadoras não fizeram uma “mesa para os pobres”, pois os pobres eram convidados para a refeição. Assim, na EdC os pobres estão numa verdadeira paridade com todos. Deste modo, da EdC está surgindo uma nova cultura de pobreza, baseada na proximidade e no fato de “fazer-se um”, que nos faz todos pobres (o próprio empresário é o primeiro entre os pobres, porque ele também tem a pobreza da fragilidade e da incerteza do fracasso económico) e, nos faz a todos ricos, pela partilha que atrai o “cêntuplo”. Estou convicto de que a cultura da pobreza é uma das realidades mais inovadoras e mais proféticas da EdC. Os bens mais preciosos são os genuínos relacionamentos com os outros, e o pior mal não é a falta de bens materiais, mas a ausência de relações verdadeiras com os outros. Actualmente percebemos o quanto isso é verdadeiro, vendo pessoas “riquíssimas” que são muitos pobres (porque estão sós), ou pessoas pobres de bens materiais a quem, na realidade, nada falta.
A Economia de Comunhão é uma utopia? “Está em você e está em mim”, se, nos nossos diferentes campos de acção, coisas semelhantes acontecem ou não! Empenhemo-nos para que aconteçam.

Mais informações em http://focolares.org.pt/edc/sobre-a-economia-de-comunhao


Sem comentários:

Enviar um comentário