domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre as "Confrarias" como movimento social de preservação da identidade



Uma das minhas muitas actividades, enquanto residi, longos anos, em Beja, foi ser "confrade" e "dirigente" da extinta Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja, onde fui, inclusive, Vogal.

"Entronizado" em 2002, cedo percebi só com formação (enfim, velho vício profissional), se podiam defender os produtos locais (ditos "produtos do território").

Em Novembro de 2003, tive a honra de participar no 1º Congresso das Confrarias das Regiões da Europa, em Bruxelas e, em nome da "minha", apresentar comunicação sobre, precisamente, o papel de novo movimento social, pela identidade local, que as Confrarias eram e deviam ser. E, sabe-se lá porquê, dizer do perigo da sua apropriação, indirecta, pelas Câmaras ou poderes locais.

Fica este texto, escrito na sequência e maturação desse Congresso, datado, mas que reconheço actual.

Fica, como todos os outros, para quem o queira ler e concluir o que aprouver.


Um novo movimento social
Publicado no "Diário do Alentejo" (Beja), em 2004-02-06

Por Abel Ribeiro*
Reuniu-se em Bruxelas, no hemiciclo do Parlamento Europeu, o 1º Congresso das Confrarias das Regiões da Europa, a 7 de Novembro.
De entre as três centenas de confrarias, destacaram-se, em intervenções no plenário, a Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja e a Confraria do Pão, que referimos por serem alentejanas.
Tive, enquanto membro da delegação da primeira, a honra de testemunhar e de me aperceber da dimensão e pujança que, hoje, assumem, na Europa, todos aqueles “confrades” que se batem pela afirmação dos “produtos do território” como motores do desenvolvimento local e, mesmo, de uma nova economia e de um processo de reforço identitário.
De facto, das confrarias tendemos a ter, entre nós, uma ideia que aponta para uma espécie de “sociedades almoçaristas/jantaristas” ou de “tertúlias de amigos de petiscos e copos”, que mais não buscam senão a manutenção desse reconhecido (e louvável) direito de se juntarem para conviver em torno de iguarias autênticas. Só isso lhes daria, já, um estatuto qualificado.
Contudo, pude perceber, nesse Congresso Europeu, algo diferente: as Confrarias são um fraterno e emergente movimento social de combate por uma nova economia construída sobre os “produtos do território”.
Sobre este conceito de “produtos do território”, dei por mim, a aplaudir, delirantemente, o exprimido pelo ministro francês do Desenvolvimento Rural (com o qual politicamente nada tenho a ver...), nesse 7 de Novembro, em Bruxelas: esses produtos são aqueles que são obtidos com materiais, tecnologias e saberes próprios de um território, sendo só compreendidos em função dessa realidade global e das relações sociais que a constituem, logo, defender o mundo rural passa por valorizar tal pertença.
Pude perceber o papel estratégico que as Confrarias desempenham neste combate. Afinal, não se trata, só, de agrupar aqueles que gostam de um dado bem, mas de lutar, fraternalmente irmanados, para que o mesmo continue a ser produzido e que, da excelência dessa produção e do acto de o consumir, resulte o reforço da economia local.
Daí que seja urgente que as confrarias portuguesas façam aquilo que já é ensaiado naquela onde sou um “humilde gastrónomo de base”: a Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja. Nela, aposta-se na formação, nas suas diversas vertentes.
Isto porque se acredita que as iguarias típicas o são, quer na forma como são consumidas, quer como são produzidas, quer como são apresentadas.
Tal significa que a formação deve incidir sobre as técnicas de aproximação e manuseamento do produto (por exemplo, uma acção de formação de “Cortadores de presunto” ou de “Provadores de Azeite”), seja sobre a sua transformação (por exemplo, nas acções sobre “Cozinha” ou “Culinária”), seja em relação à dignidade com que são apresentados (por exemplo, as acções sobre “Serviço de Mesa”).
A tudo isto a Confraria se tem dedicado, recorrendo às fontes de financiamento disponíveis, tentando qualificar quem manuseia e transforma as matérias primas em “produtos do território”, sem esquecer o sentido de “irmandade”, presente nas refeições e cerimoniais comuns de sua exaltação, como os magustos, as matanças tradicionais, os jantares temáticos, etc.
É urgente, por isso, que as Confrarias sejam olhadas, pelos agentes de desenvolvimento local, como parceiros de pleno direito nos processos de reforço da pertença a um território.
É urgente que as confrarias sejam consideradas, pelas organizações e corporações ligadas aos interesses económicos (associações de hoteleiros, de comerciantes), como um parceiro que pode contribuir para a dignificação e validação do produto que se apresenta como típico, porque “do território”
É urgente que as confrarias sejam reconhecidas, pelos poderes locais e regionais, como um parceiro estratégico na afirmação da individualidade social de uma região ou território.
Num momento de afirmação da cidadania e da sociedade civil, não deixa de ser interessante constatarmos que estas associações (as Confrarias) podem evoluir para escolas de formação em saberes e sabores do território ou, mesmo, em instâncias de validação da autenticidade dessa territorialidade, mas, sobretudo, na afirmação de espaços de uma fraterna, festiva e orgulhosa defesa da pertença.
Do que não restam dúvidas é que este movimento social das confrarias é bem vindo a este combate pela identidade.
Assim resista às tentações e seduções que, não tarda, os “poderes” lhe farão, para que deixem de ser “movimento...”

* Sociólogo – Associado da “Confraria dos Gastrónomos do Distrito de Beja”

Fim de transcrição...
Gosto de retomar temas que, nesta minha terra que hoje é o Marco, podem ser relevantes; este das Confrarias pareceu-me importante, daí respigar este contributo, fruto da minha experiência de 3 anos de vivência, como Confrade, numa delas.

A minha Confraria extinguiu-se, precisamente, porque não resistiu ás tentações e seduções que referi e porque se deixou arrastar por ambições pessoais.

Mas ainda guardo, com saudade, o escapulário e o traje.

Mas que as Confrarias, hoje, são um movimento social de peso, na Europa rural, isso é verdade.

Mas que não assumem o seu papel, pleno, de guardiões da identidade, também.

Em Portugal (e no Tâmega), desconheço se alguma se candidatou ao PRODER, por exemplo...

Sem comentários:

Enviar um comentário