segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Hoje faço 53 anos...

Évora, cidade onde nasci

Retomo, hoje que faço 53 anos um discurso que fiz, num almoço com 40 Amigos e Familiares, no dia em que completei 50 anos.
Talvez sirva para, em definitivo, muitos saberem, "ao que ando".

Caríssimos Amigos

Fiz 50 anos, dia 1 de Fevereiro. Meio século. De acordo com as estatísticas e o último relatório do desenvolvimento humano da ONU, a esperança de vida em Portugal é, para os homens, de 82 anos. Estou, pois, já, de forma clara, na fase madura da vida, já a “puxar” para a metade final.


Dizia Pilipp Ariés, na sua obra “O Homem e a Morte”, que começamos a morrer no dia em que nascemos para a vida humana. Por isso, a idade não me preocupa. Recuso os hipócritas lugares comuns do ser “jovem de espírito” ou de “ter perdido o BI”, que mais não são do que fugir a um estatuto digno próprio de cada idade : sou, com orgulho, um homem e cidadão de 50 anos e, porque sou português, europeu, ocidental e fruto de uma cultura judaico-cristã, com profundos traços de islamismo, também, assumo a carga cultural que essa idade, por isso, me atribuiu.
Por isso assinalo, convosco, o atingir desta idade.

O poeta, sul-americano de nascença, mediterrânico por opção, Pablo Neruda, dizia, num livro póstumo auto-biográfico, em título , “Confesso que vivi”.
Eu quase diria o mesmo, corrigindo a conjugação : CONFESSO QUE VOU CONTINUAR A VIVER.

Isto significa várias coisas : 1) Que julgo que valeu a pena ter vivido até hoje; 2) Que não estou nada arrependido da forma como vivi; 3) Que vou continuar a viver da mesma maneira.
É verdade: PODEM ESTAR CERTOS QUE É ISSO QUE TENHO SENTIDO NO APROXIMAR DO LIMIAR CULTURAL QUE SÃO OS 50 ANOS. É ESSA A MINHA CONVICÇÃO: a minha vida tem sido só uma, com um profundo fio condutor, fio esse que, como na lenda grega do minotauro, me há-de conduzir a um destino, embora se possa romper e reconstruir, diversas vezes. Desde que conduza a algum lado.
Com 50 anos, tenho de ter algo a testemunhar sobre o que é esse fio condutor da minha vida . É isso que os quero dizer hoje. Quero fazê-lo a alguns homens e mulheres importantes da minha vida que hoje quis juntar comigo, independentemente de serem meus filhos, irmãos, ascendentes, cônjuges, ou outros laços de família e amizade.

Enfim, que fio condutor é esse, o da minha vida de 50 anos ?
Não receio em dizer que o fio condutor da minha vida têm sido as UTOPIAS IGUALITÁRIAS; sim, uma profunda crença, com raízes e cambiantes diferentes ao longo das várias etapas da minha vida, na ideia que os Homens nascem livres e iguais e, assim deveriam permanecer no acesso e usufruto dos direitos que, historicamente lhe vão sendo reconhecidos ou consagrados, e que esse caminho para a igualdade só pode se construído numa base de relações sociais fraternas. Diria mesmo (e é esse o meu entendimento) radicalmente fraternas.

Curiosamente, sempre preferi o termo “fraternidade” ao “solidariedade” e, a pouco e pouco, vou percebendo porquê.
Porquê ?
Porque, num primeiro aspecto, ser fraterno é ser irmão. Isto significa um laço que nos “obriga” a amar o outro, mesmo apesar de ele não ser solidário connosco, ou seja, nem sequer partilhar a nossa causa, Aliás, vê o outro, não como o indivíduo “x” ou “y”, mas como um “outro” universal, que por ser Cidadão, Ser Humano, é, necessariamente, alvo com direito a receber e dar fraternidade. Por causa disto, nas várias raízes e cambiantes da minha opção pelas utopias igualitárias, fiz amizades fortes para rapidamente as desactivar, ligo-me intensamente a pessoas e, com facilidade, desligo-me, abraço grupos com causas e , logo, os abandono. Fragilidade, imaturidade, chamem-lhe o que quiserem: eu chamo-lhe ser radical. Radical, pois, ou consigo dar tudo ou, de facto, prefiro não dar nada, ou mudar o estatuto do “dar” para um acto despessoalizado. Ou seja, cada pessoa, a quem me dou, faz sempre parte de um todo ou de uma parcela desse todo e é esse “todo” que eu amo, verdadeiramente: amo todos aquelas centenas de jovens que foram meus alunos ao longo da minha vida, mas de poucos saberei o nome; contudo, se me batem á porta, logo abro. Amo todos os cidadãos por cuja dignidade combati e combaterei ao longo da vida, mas, ganhas as lutas, deles me desligo, enquanto indivíduos; mas, fraternalmente, os reencontrarei na luta social seguinte. Como filho, marido, irmão, pai, ou outro parentesco, sou por todos conhecido como “desprendido”, ou seja, aquele que tão depressa está e nos faz sentir intensamente a sua presença, como não está e é ausente .

Eis o segundo aspecto desse meu seguir as utopias igualitárias : mais do que as pessoas (que são parte delas e as incorporam), eu sigo as causas que as utopias me suscitam e aceito os desafios que elas me fazem.
A minha formação cristã de origem, á qual devo o pouco de bom que há em mim, ensinou-me várias coisas.
Ensinou-me “que todos os cabelos da nossa cabeça estão contados”; ou seja, que quem é radicalmente fiel ás causas pode viver delas e nada lhe faltará, nem a si nem aos seus. É um risco. Mas estão perante um cidadão que, por 3 vezes, foi funcionário público e 3 vezes pediu a exoneração, por haver coisas mais importantes que o chamavam e que tinham a ver com as suas utopias igualitárias : projectos socais nos Açores, ser Autarca em Arruda dos Vinhos, depois, ir para o Ensino Superior, depois criar a sua própria empresa, depois.... Algumas dessas opões tiveram custos pessoais enormes, significaram perdas pessoais económicas, afectivas, de imagem pública, mas, mesmo nos momentos (que tenho passado vezes demais), de dificuldades económicas e incerteza profissional ou de desconsideração pessoal, tenho o orgulho de sentir que fui fel ao meu modo de ver o mundo e a vida e, sempre, a cada momento de tempestade se seguiram momentos de gratificante bonança.
Ensinou-me, essa tal minha formação cristã de origem, a acreditar que “quem mete a mão ao arado não pode olhar para trás”, ou seja, as causas são para se assumidas até ao fim.

Talvez, por isso, também me ensinou que, como a Mafalda Veiga recorda na sua canção “Restolho “, tal como o grão de trigo, “é preciso morrer para nascer de novo”.

Caríssimos
Tenho conhecido quase as utopias igualitárias e nelas tenho militado ao longo da vida, com radicalidade convicta: fui membro activo de uma Igreja, militante de 3 partidos de esquerda, dirigente cultural, desportivo, associativo; estes 50 anos permitiram-me, apesar de toda esta radicalidade e instabilidade anormal, viajar por vários locais, neles trabalhar, ter experiências, também radicais, de comunhão diversa: senti os “amanhãs que cantam” do velho movimento comunista, apaixonei- me pela “cidadania activa” da nova esquerda, toquei o “novo Céu e a nova Terra” dos cristãos com que empenhadamente vivi. De nada me arrependi.
Mas onde pára o fio condutor ?

Aí mesmo.
O Paulo VI dizia que “Não há verdadeiro humanismo se não for aberto ao infinito”.
Sinto que, ao longo destes 50 anos, o meu fio condutor me tenta levar ao fim do labirinto (tal como na história do minotauro) e esse fim é o infinito.
Não sei o que significa esse infinito. Se tenho conduzido a minha vida fiel a utopias fraternas e igualitárias, sei que chegar ao infinito passa por aí. E que, mais tarde ou mas cedo, tocarei ou voltarei a tocar esse infinito.
Não preciso, espero, passar mais 50 anos para o descobrir.
De resto, aqui me têm: Abel Ribeiro, 50 anos; sem qualquer sentido de culpa ou recriminação, diz, com orgulho, ter uma conta bancária miserável, sem casa própria, carro ou carta de condução, sem património material para deixar a quem quer que seja.
Mas disponível para continuar a lutar por um mundo de iguais, construído sobre relações fraternas, de forma radical. Sem meias medidas, sem preconceitos, sem dúbios interesses. “Deitando a mão ao arado sem voltar atrás”. Pronto a, as vezes que forem necessárias, “morrer para nascer de novo”.
Agrada-me viver a vida. Mas, sobretudo esta vida. Não me peçam que viva doutra maneira.

ABEL RIBEIRO


Escrito, como referi, em 1 de Fevereiro de 2007. Hoje diria o mesmo.

2 comentários:

  1. Os meus parabéns por mais um aniversário, eu vou um pouco mais atrás mas não muito.

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  2. "Agrada-me viver a vida. Mas, sobretudo esta vida. Não me peçam que viva doutra maneira."

    Estarei contigo até ao infinito!

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